REFLEXÃO DA SEMANA
De 15 a 21 de Novembro de 2004
“No Primeiro Congresso da Democracia, organizado pela Associação 25 de Abril, entre as diversas reflexões ouvidas, merece séria ponderação, por recusar o imediatismo e a tentação de propor receitas impossíveis para a salvação da pátria, a de Eduardo Lourenço, que reflectiu sobre Portugal e o Mundo. Partiu do nascimento cívico que a revolução de 25 de Abril de 1974 constituiu – momento que a muitos deu uma pátria. Foi a partir daí que pudemos voltar a repensar a aventura colectiva de muitos séculos – “essa espécie de peregrinação, título emblemático do que fomos” – que nos levou a deixar traços indeléveis um pouco por toda a parte, que “são tão Portugal como o Portugal daqui”. Hoje, o mundo não pode ser compreendido sem se entender a dimensão planetária da nação mais poderosa do nosso tempo. A nação americana encarna de algum modo o “espírito do mundo”, se quisermos usar uma expressão de Hegel. E essa América, com uma história conhecida, de primeiro país auto-descolonizado, acaba de nos devolver a imagem de uma nação que democraticamente fez uma escolha contra a outra metade da América. E, assim, a noite de 3 de Novembro foi vivida com tristeza na Europa, mas também com grande tristeza na América, como se esta se europeizasse. E o mundo não se sentiu indiferente à escolha americana. Estava em causa uma guerra lançada contra as Nações Unidas, sem verdadeira legitimação interna. A América entrou em contradição consigo mesma. É a vivência de terrores apocalípticos que sepulta e ressuscita a nação mais poderosa do mundo. Em lugar da paz, da segurança, do consenso e da harmonia, temos o terror apocalíptico – um combate entre a luz e as trevas, que atravessa a sociedade americana. O 11 de Setembro despoletou um movimento de temor e de tremor. Há uma divisão que o povo americano sente. E o que é a nação americana? Uma espécie de super-Europa, quando a Europa está a falir na sua missão. De há vinte anos para cá, a Europa é incapaz (por si só) de acompanhar os grandes movimentos na ordem mundial e de intervir no mundo. Perdeu protagonismo. O que nos compunge não é, contudo, a ascensão dos Estados Unidos, mas esta espécie de crepúsculo europeu vivido de olhos abertos – insiste EL. Pesam os egoísmos nacionais, os privilégios, as guerras políticas momentâneas, os populismos, os oportunismos – contra uma visão aberta e cosmopolita e contra uma partilha de poderes e de soberanias, numa autêntica União de Estados e Povos livres e soberanos. Apesar de tudo “a Europa nunca foi mais Europa do que hoje”. O problema verdadeiro do mundo é o problema da Europa. Porque a Europa tem tendência para se acomodar no seu relativo privilégio na história do mundo. Queria ser modelo e abdicou. Apenas quer alargar-se e expandir-se, mas não vai muito longe. Precisa “do triunfo da sua sublime não-identidade sobre os fantasmas da sua alucinada identidade”.”