REFLEXÃO DA SEMANA
De 11 a 17 de Outubro de 2004
“Graham Greene (1904-1991) nasceu há cem anos. É uma das grandes referências da literatura europeia do século XX. Quem, no futuro, quiser conhecer o tempo em que vivemos, terá de ler os romances de Greene. A violência e a barbárie da guerra quente, o cinismo da guerra fria, o fim dos impérios e as lutas de emancipação, a difícil persistência dos princípios perante a inexorável força das coisas, o diálogo e o conflito entre o espírito e a matéria – tudo isso encontramos na prolífera obra do autor de “Brighton Rock”, o escritor que nunca se fechou na sua torre. Viveu a vida perigosamente. Conheceu a história nos meandros mais inconfessáveis. Foi sempre paradoxal. O Padre Manuel Antunes falava de uma “polaridade vivida: amor e desamor de si mesmo, prazer e terror, solidão e solidariedade, experiência e cultura, inserção e evasão, segurança e aventura, crueldade e complacência, angústia e violência, ciclotimia e esquizofrenia, fixação e compensação, hereditariedade e meio, desespero e espionagem, lealdade e traição”. É a atracção dos extremos. O bem e o mal coabitam. A fidelidade e a compaixão contradizem-se. O optimismo e o pessimismo são faces de uma mesma moeda. O fatalismo da tragédia entra em tensão com a força libertadora do sublime, sem resposta clara para o confronto. A existência parece contrariar o sobrenatural – e daí as incompreensões religiosas. E apesar de uma certa recusa, a Graça acaba, no dizer de Jorge de Sena, por desabar sobre as pessoas na narrativa de G.G. (como em “The End of the Affair”, no cenário sem saída dos bombardeamentos de Londres). O seu percurso de vida foi tão intenso e complexo que levou o biógrafo Norman Sherry a ter de o reconstituir em vinte anos de trabalhos forçados, durante os quais contraiu doenças terríveis, por causa das quais esteve às portas da morte (tal como acontecera ao próprio Greene). Na Universidade de Oxford teve um flirt com o partido comunista. Foi jornalista no The Times e no Spectator. Converteu-se ao catolicismo. Foi agente dos serviços secretos, no mítico MI6, onde conheceu Kim Philby, o maldito. Foi um viajante de lugares exóticos, por onde foi deixando um rasto de simpatia para com os oprimidos e uma severa denúncia das ditaduras e dos abusos imperiais. Na Libéria (“Journey without Maps”), na Serra Leoa (“The Heart of the Matter”), no México (“The Lawless Roads”, “The Power and Glory”), na Indochina (“The Quiet American”), no Quénia, em Cuba (“Our Man in Havana”), no Haiti (“The Comedians”) temos exemplos de uma aturada observação do mundo, num tempo de mudanças. Mas, além dessa observação, Graham Greene foi também um atento investigador do espírito humano. “Nenhum homem pode compreender outro homem”. E que é método policial senão um modo de tentar descobrir a essência da condição humana? Mas estaremos todos demasiado cansados para aprender a amar?”
Guilherme d’Oliveira Martins