Onde se encontraram os reis magos…
por Guilherme d’Oliveira Martins
Que é um Conto de Natal? Eles estão já talvez todos escritos, mas há sempre um espaço para algo de novo no que se refere à magia e à imaginação. Um dia destes, lendo um conto célebre, onde se descrevia as cuidadas preparações para as viagens dos Reis Magos, um dos pequenos ficou intrigado por nada se dizer nesse relato sobre o momento e o lugar em que, segundo a tradição, esses três homens se encontraram, vindos de lugares diferentes, para chegarem ao Presépio. E nesse momento começou uma verdadeira aventura policial. As crianças não descansaram enquanto não descobriram o enigma. Era necessário descobrir qual tinha sido esse lugar de encontro. E os pequenos puseram-se todos em ação, cada um procurando descobrir uma pista.
Houve logo quem fosse rapidamente buscar o livro onde pela primeira vez se falava desses sábios vindos do Oriente. É o Evangelho de S. Mateus que primeiro refere esse extraordinário episódio. Pode mesmo dizer-se que é aí que o Presépio começa, como lugar de encontro.
«Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente». O certo é que ao chegarem à Judeia, foram à cidade onde estava o grande templo de Salomão, que era Jerusalém. Compreende-se que o tenham feito – a cidade era o natural destino para quem chegava a essas paragens. E perguntaram: «Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo».
A pergunta, aparentemente simples, deixou muita gente inquieta. Que quereriam eles dizer? E quem eram aqueles estranhos homens vestidos com túnicas e turbantes? «- Certamente eram estudiosos dos astros e teriam sido alertados para algo de estranho nas suas investigações, olhando o céu com os seus telescópios» – explicou a Mãe. E os pequenos detetives continuaram a juntar os elementos de que já dispunham. Tratava-se de magos, dedicados à descoberta do que não estava ao alcance das pessoas comuns, daí falar-se de artes mágicas ao invoca-los ainda hoje.
Segundo a tradução grega das Escrituras, estes magos seriam homens sábios dedicados ao estudo, ao pensamento e à interrogação dos astros. Vinham do Oriente, de Este ou de Nascente, portanto da Ásia, do lugar de onde se levanta o Sol, ou seja, do Levante. Os pequenos riram-se dos muitos nomes que têm os pontos cardeais.
«Nós estamos no Ocidente, no Oeste ou no Poente. A Norte ou Setentrião ficam os países mais frios, com longas noites nos invernos. A Sul ou Meridião, os países quentes, banhados pelo sol brilhante…» – disse o Pai, simplificando as coisas.
Os Magos, como ninguém lhes desse resposta, foram ao rei Herodes – que ficou interessado, mas mais perturbado do que todos com essa pergunta. Então, havia um outro rei, que não era de sua casa, que estava para nascer ou que teria nascido? Reuniu, por isso, os príncipes dos sacerdotes, os escribas do povo, que se encarregavam de ajudar as pessoas na solução dos seus problemas, e estes responderam que havia informação, vinda de há muito, dos registos dos ensinamentos de um profeta pouco conhecido, Miqueias, de que seria em Belém da Judeia o lugar em que nasceria esse novo Rei.
Herodes não escondeu a sua agitação e pediu aos Magos que fossem a Belém e lhe dessem informações precisas sobre esse estranho Menino. E então seguiram essa estrela ou esse astro, que antes não tinham visto, que parou junto à cidade de Belém, onde realmente estava um Menino, que havia nascido há alguns dias. Que astro seria aquele? Talvez um cometa, constituído de núcleo, cabeleira e cauda, que aparece no firmamento em certos momentos, segundo uma complexa trajetória – que há muito intrigava astrólogos e astrónomos.
«Ao ver a estrela sentiram grande alegria, e entrando na casa viram o Menino com Maria, Sua mãe. Prostrando-se, adoraram-nO, e abrindo os cofres, ofereceram-Lhe presentes: Ouro, Incenso e Mirra».
Não diz S. Mateus exatamente quantos eram esses Magos (que se designaram como Reis, sem o serem provavelmente). No entanto, pelo número de presentes referido e pelo que foram dizendo as gerações sucessivas, eles deveriam ser três, chamados Melchior, Gaspar e Baltazar, e traziam consigo valiosas lembranças. Então a mãe explicou: o ouro significa a realeza e a fragilidade das riquezas terrenas; o incenso é uma resina aromática, usada nas cerimónias religiosas, simbolizando a fé e a oração; e a mirra, é outra resina usada nas múmias do Egito antigo, representando o tempo sem fim.
Mas de onde viriam Melchior? Gaspar? E Baltazar? Segundo um velho texto, lembrado pelo pai, de São Beda, o venerável: Melchior era um velhote de setenta anos, com cabelos e barbas brancas, e provinha da Caldeia; Gaspar tinha vinte anos, era um jovem, muito jovem, que partira de um lugar distante, próximo do Mar Cáspio, na entrada da Ásia; Baltazar tinha quarenta anos, tinha a pele escura e partira de uma região chamada Arábia Feliz, a seguir ao Golfo Pérsico.
O mistério para as crianças mantinha-se, contudo. Os pais já lhes tinham explicado muitas coisas, mas ainda faltava saber onde se teriam encontrado, vindos da Caldeia, do mar Cáspio e da Arábia – esses três homens. Um dos pequenos foi então buscar um lápis, uma régua e um esquadro e começou a fazer tentativas no mapa do Médio Oriente para descobrir o verdadeiro lugar de encontro, fazendo retas, paralelas e perpendiculares. Mas depressa descobriu que as veredas do deserto são incompatíveis com geometrias rígidas. De qualquer modo, é bom saber que cada um se pôs ao caminho, desconhecendo que os outros estavam a ir em direção ao mesmo lugar.
Entretanto, um dos mais novos não conteve a curiosidade e perguntou se Herodes tinha agentes secretos, que tivessem seguido os Magos. Todos se riram, mas os pais satisfizeram essa curiosidade, dizendo que não se sabe ao certo se Herodes fez seguir os Magos. A verdade é que os Magos foram avisados em sonho para que «não voltassem para junto de Herodes» e «regressaram à sua terra por outro caminho». Este facto permitiria a Maria e a José protegerem o Menino, que estava ameaçado pela desconfiança e ambição do rei Herodes. Então, depois de partirem, um anjo apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e Sua Mãe, foge para o Egito e fica lá até que eu avise, pois Herodes procurará o Menino para o matar». E assim José tomou o Menino e Sua mãe e partiram para o Egito, permanecendo aí até à morte de Herodes.
Então os pequenos começaram a imaginar soluções. Os três sábios encontraram-se na Babilónia. Baltazar tinha sido obrigado a um longo percurso marítimo, pelo Golfo Pérsico, numa embarcação tradicional da região, já que vinha da Arábia Feliz. E tudo leva a crer que Baltazar e Melchior tenham sido os primeiros a encontrar-se na Mesopotâmia, assim designada por se encontrar situada entre dois rios, o Tigre e o Eufrates. Foi aí que Baltazar se apetrechou com os animais de transporte, camelos e cavalos, que levariam os sábios e o seu séquito até à Judeia, através do deserto da Síria. Melchior era da Caldeia, da planície fértil, e os caldeus provinham da costa do Golfo Pérsico, conhecendo muito bem a região. Foi certamente aí que os dois primeiros Magos se encontraram, iniciando a lenta caminhada das suas caravanas, lembrando Nabucodonosor II e o cativeiro da Babilónia. O jovem Gaspar, vindo das proximidades do Mar Cáspio, teve de vencer os acidentes montanhosos que conduzem à Babilónia, para se encontrar com os companheiros. E teve de sofrer as chuvas implacáveis e o calor intenso.
Mas as constantes paragens das caravanas, a lentidão do deserto e a necessidade de procurarem abrigo durante as súbitas tempestades permitiu que os três se encontrassem em pleno deserto da Síria.
Comunicaram e depressa descobriram que tinham sido conduzidos por um mesmo e estranho impulso. Os três eram experimentados astrónomos e astrólogos. Afinal misturavam-se as suas investigações, uma vez que, a cada passo procuravam novas sobre o que sucedia no firmamento. E agora aquele sinal que ali se apresentava e que os conduzia obrigava a uma intensa explicação, que eles não tinham. Conversaram longamente. Aventaram muitas explicações. Mas não desistiram, até chegar a Jerusalém e a Belém. E não foram só os conhecimentos científicos que os ajudaram. A ciência é fundamental, mas não explica os limites.
Quando, depois de Herodes, se aproximaram de Belém, em busca do Menino, perceberam que não se tratava de um Rei como os outros, sedento de poder e de domínio. O quadro com que depararam quase passava despercebido, e não fora um pastor dos campos, com o seu rebanho, a indicar-lhes o modesto lugar onde estava o Menino, donde emanava uma luz indefinível mas clara, e eles não saberiam o que lhes indicava a singularíssima estrela…
A casa era muito simples e a porta estava aberta. Vários pastores e pastoras rodeavam o modesto estábulo. Um boi e uma vaca estavam próximo de um pequeno catre. Uma jovem morena, extremamente bela, aconchegava o Menino, que dormia placidamente. O seu marido conversava com os pastores e, ao ver a caravana, dirigiu-se aos Magos e saudou-os.
Havia no ar uma leve brisa e uma profunda quietude!