A VIDA DOS LIVROS
de 28 de Outubro a 3 de Novembro 2013
José Tengarrinha escreveu «Nova História da Imprensa Portuguesa das Origens a 1865» (Temas e Debates – Círculo de Leitores, 2013), onde nos dá conta de modo exaustivo da relação íntima entre a nossa história política e a evolução das publicações escritas. O tema é apaixonante e através dele conseguimos compreender os factos mais relevantes da evolução portuguesa.
A IMPRENSA E A POLÍTICA
José Manuel Tengarrinha é um dos grandes especialistas da história da imprensa, com obra muito vasta publicada de qualidade excecional, na qual se nota a ligação muito intensa entre os acontecimentos políticos e a evolução da imprensa. Pode dizer-se que a informação impressa e a divulgação escrita das posições políticas assegurou a formação de correntes de opinião, indispensáveis para a afirmação do constitucionalismo liberal. Neste volume, temos uma análise pormenorizada da história dos antecedentes das publicações impressas e da sequência que lhe foi sendo dada através da utilização da imprensa, favorecendo uma maior difusão e a chegada a muito mais gente das opiniões e das informações. Abrangendo um dos períodos mais agitados e ricos do liberalismo português, o autor analisa neste tomo desde os primórdios até ao ano emblemático de 1865, altura em que, com o «Diário de Notícias», nasce a época industrial da imprensa, graças ao impulso de Eduardo Coelho. Enquanto antes tínhamos, sobretudo, uma imprensa mais personalizada e de combate, vemos surgir o jornal essencialmente informativo, à semelhança do que ocorre em toda a Europa. O jornal barato e acessível, saindo em várias edições, dá nota dos acontecimentos, tornando-se um fenómeno de significativa difusão, a ponto de Hegel ter considerado que a oração matutina do homem moderno era a leitura da imprensa. Relativamente a este volume, temos quatro partes, que estruturam a obra: a primeira, intitula-se: «Os Primórdios – da Gazeta de 1641 à Revolução de 1820». Se é facto que o título é abrangente, o certo é que a cópia de informação prestada pelo autor é de uma extrema riqueza – merecendo destaque uma análise importante sobre os regimes de censura (1576, 1768 e 1787). Tudo começa com folhetos manuscritos e com folhas noticiosas impressas, continuando em pequenos periódicos (como Almanaques, repositórios, calendários e prognósticos). Note-se que, nesta fase inicial, encontramos a grande importância histórica das Gazetas da Restauração, a partir de 1641, em plena guerra da independência. Segundo Alexandre Herculano, tratava-se de animar o povo, através de informação, que, a um tempo, mobilizava e criava condições para a formação de uma opinião pública empenhada na luta da restauração. Se as Gazetas tinham sobretudo o objetivo de contribuir para o reconhecimento internacional da monarquia portuguesa, o «Mercúrio Português», mais evoluído e bem organizado, de que o diplomata António de Sousa de Macedo será um dos animadores, no consulado de Castelo Melhor, já revela uma preocupação de intervencionismo político. Em 1715, surge a «Gazeta de Lisboa», com o fim da dar notícias nacionais e estrangeiras e das nomeações régias, sendo antepassada do «Diário do Governo».
PORMENORES IMPORTANTES
José Manuel Tengarrinha pesquisou arduamente os mais ínfimos pormenores, em especial as datas de início e fecho dos periódicos (em bons índices) – bem como o sentido e alcance da sua influência. Refira-se a importância da imprensa, no início do século XIX, não só durante as invasões francesas, mas também na criação de condições para a eclosão da revolução liberal de 1820. Os panfletos e pasquins abundam como instrumentos de resistência relativamente aos franceses. A ironia procura contribuir para o descrédito dos invasores. Por seu lado, os periódicos que veiculavam a posição francesa (Gazeta de Lisboa e Diário do Porto) revelaram-se de influência limitada. O pensamento liberal começa, entretanto, a germinar na emigração, avultando o exemplo de «O Campeão Português» de José Liberato Freire de Carvalho, bem como o «Correio Brasiliense» de Hipólito José Costa – sob o ataque das autoridades e do incansável José Agostinho de Macedo. Como reconheceu Luz Soriano, «foi a imprensa periódica ou o jornalismo português em Londres quem (…) principiou a difundir abertamente entre nós, por todas as classes da Nação, as ideias liberais». O segundo período analisado corresponde ao «nascimento da imprensa de opinião – da revolução de 1820 ao estabelecimento da monarquia constitucional em 1834». É um momento de grandes tensões, envolvendo o debate na Assembleia Constituinte da liberdade de imprensa, bem como a desconfiança dos governos relativamente à sua efetivação. A vigência fugaz da Constituição de 1822, a Vilafrancada e a Abrilada, a resistência e as hesitações de D. João VI, o domínio das forças legitimistas constituem o pano de fundo de um momento muito rico da imprensa de opinião. Lembramos «O Amigo do Povo» dos irmãos Passos (1823), como paradigma da nova imprensa de opinião, acrescentando-se a guerra civil (1828-1834), a influência de Mouzinho da Silveira e as leis redigidas por Garrett nas Crónicas Constitucionais da Terceira e do Porto. Naturalmente que José Agostinho diz horrorizado: «Portugal está coberto, alastrado, entulhado de periódicos, como o Egito e mais que o Egito, de rãs, de gafanhotos, de moscas, de diabos».
A FORÇA DA LIBERDADE DE IMPRENSA
A liberdade de imprensa é a marca o novo tempo. Digladiam-se absolutistas e liberais, e depois cartistas e constitucionalistas. A revolução de setembro (1836) marca a legitimidade constitucional, com Sá da Bandeira e Passos Manuel, e leva à aprovação da Constituição de 1838. Nasce o primeiro grande jornal liberal, «A Revolução de setembro» (1840-1901), sob o impulso de José Estêvão Coelho de Magalhães e com a pena de António Rodrigues Sampaio. Alexandre Herculano funda «O Panorama» (1837-1868), «jornal literário e instrutivo», órgão da Sociedade de Propaganda dos Conhecimentos Úteis, primeiro difusor da cultura e do património histórico e refira-se ainda a «Revista Universal Lisbonense» (1841) de Castilho. E depois temos a atrabiliária restauração da Carta por Costa Cabral (1842-1851) e a nova guerra civil (1846-47), durante a qual Rodrigues Sampaio dirigirá o jornal clandestino «O espectro» – sobre que o futuro ministro (autor de importante reforma administrativa) dirá: «prefiro a honra de ter escrito esse livro (falava desses textos) à glória de estar sentado nesta cadeira». Por fim, a quarta parte do obra, intitula-se «A Regeneração pacificadora, de 1851 à organização industrial da imprensa». De novo a liberdade de imprensa tem um papel fundamental, agora pacificador. E afinal, o que vai espoletar o fim político de António Bernardo Costa Cabral é a «Lei das Rolhas» (3 de agosto de 1850), ou seja, uma limitação intolerável da liberdade de imprensa. O compromisso torna-se uma necessidade política. A Regeneração (1851) tem entre os seus inspiradores Alexandre Herculano – mas, perante o afastamento dos membros da esquerda liberal, vai criar o jornal «O País», como forma de lançar um partido que permitisse a alternância. Além dos regeneradores era fundamental criar o Partido Histórico, que assim nasce na imprensa. Era a liberdade da escrita que fazia as correntes de opinião. O mesmo Herculano defenderá o municipalismo como chave da liberdade em «O Português» (1853-66) e, neste tempo de exercício das liberdades cívicas, proliferam os jornais da mais diversa índole, como os económicos: o «Jornal do Comércio» de Luís de Almeida Albuquerque (1853) e o «O Comércio do Porto» (1855); mas também como os regionais, «O Açoriano Oriental» (1835), e os locais como «A Aurora do Lima» (1855), entre tantos outros. São quinhentas páginas indispensáveis. Não é possível entender a liberdade de imprensa e a sua força sem ler esta obra fundamental.
Guilherme d’Oliveira Martins