31 de agosto a 12 de setembro de 2013
Guia: Prof. António Graça de Abreu
No âmbito do ciclo “Os portugueses ao encontro da sua história”
:: Crónica I
A cidade de Pequim surpreende-nos pelo desenvolvimento, pelo trafego automóvel, pelos novos edifícios, pelo movimento incessante das pessoas. Quem conheceu a cidade nos últimos quarenta anos, não deixa de se admirar pelas transformações realizadas.
Nesta peregrinação do Centro Nacional de Cultura, começamos simbolicamente por visitar um dos troços da Grande Muralha. É impressionante a concessão deste muro criado para proteger o grande Império do Meio. Em Mutaniu, onde chegamos de teleférico, o panorama é o do encadeamento fantástico das montanhas do norte que rodeiam a cidade de Pequim. A construção começou em 221 anos a.C. numa primeira versão precária de adobo mas foi a Dinastia Ming de 1368 a 1644 que construiu a muralha tal como hoje a conhecemos para protecção dos Mongóis e dos Manchus. No entanto, em 1644, no final dessa mesma Dinastia Ming, o General Wu Sangui abriria as portas da muralha à invasão Manchu que estabeleceria a Dinastia Qing pelo que o sistema de nada serviu quando foi posto à prova. Mas a construção é impressionante e o coroar das montanhas pelas ameias que se prolongam a perder de vista assemelha-se a um fecho de cremalheira entre tecidos. E ao ver essa separação humana, lembramo-nos do Veneziano Marco Polo que chegou ao norte da China pela mão dos Mongóis entre 1271 e 1295. Foi esse o momento em que o Império do Meio se abriu ao conhecimento dos Europeus.
Se a chuva fez questão de aparecer na nossa visita à Muralha, o mesmo não aconteceu ontem de manhã quando fomos bem recebidos no Parque que rodeia o Templo do Céu. Vimos centenas de praticantes de Tai Chi mas também jogadores dos mais diversos jogos nas balaustradas que decoram os jardins: xadrez, cartas, paciências, grupos que cantam e tocam, de tudo um pouco.
Quando lemos “O Mandarim” de Eça de Queirós, este que aqui não esteve, fala-nos de três guarda-sóis sobrepostos neste Templo do Céu que vemos em todo o seu esplendor; já que o romancista refere este como um dos sítios emblemáticos da cidade. Aqui vinha o Imperador três vezes: no início do ciclo anual, na primavera e por fim no inverno para dar a Ação de Graças. As quatro colunas que sustentam o tecto do templo, de uma construção sem pregos, representam as quatro estações do ano e as decorações são fascinantes: dragões, aves, plantas, fundos verdes, azuis, vermelhos e dourados. É de facto uma cidade fantástica.
:: Crónica II
Continuámos em Pequim gozando a impressão do fascínio.
O Observatório de Pequim foi o lugar de um Seminário Cientifico organizado pelo Embaixador Jorge Torres-Pereira, um velho amigo das iniciativas do Centro Nacional de Cultura. Aqui lembrámos os padres jesuítas e a excelente relação que estabeleceram com o Imperador Kangxi. Os jesuítas chegaram à China no último quartel do Século XVI durante a dinastia Ming e depressa ganharam o respeito dos letrados e dos meios cultos do império, afirmando-se como os experimentados astrónomos e matemáticos. Num gesto inédito, o imperador, em sinal de excepcional consideração, deslocou-se em 1675 à casa dos jesuítas e escreveu o aforismo “Jing Tian” que significa reverenciar o céu; o que era um sinal de aproximação relativamente ao Deus dos cristãos, apesar das desconfianças de muitos em virtude do imperador se designar a ele mesmo como filho do céu. Neste gesto havia por certo um equívoco, mas era algo muito importante que Matteo Ricci e os seus companheiros desejaram aproveitar. Daí ter sido promulgado em 1692 o importante édito de tolerância que muito beneficiou a presença dos cristãos no Império do Meio. Visitámos o que foi a casa dos jesuítas que é hoje a Igreja de Nantang ou da Imaculada Conceição fundada em 1650 pelo jesuíta Adam Schell.
E fomos ainda ao cemitério dos jesuítas onde muitas das estelas funerárias foram destruídas ao longo do tempo, a última das vezes na revolução cultural. Aqui estão recordados catorze padres jesuítas, mas falta ainda a referência ao Padre Tomás Pereira, músico, matemático, clérigo e cultivado, que se tornou próximo do imperador. O seu exemplo é premonitório uma vez que representa as possibilidades de cooperação científica cultural e educativa, hoje mais importante do que nunca.
O director do observatório, Zhu Jin, e o Professor Jin Guo Ping, traçaram um quadro que merece uma ponderada reflexão para o futuro do Observatório de Pequim, que no Séc. XVII tornou-se o mais moderno do seu tempo. O calendário chinês pôde ser regularizado graças aos conhecimentos científicos trazidos pelos jesuítas e pelo intercâmbio de saberes que possibilitou a todos um ganho significativo. É um exemplo. Um exemplo que não esqueceremos.
:: Crónica III
A Cidade Proibida está no coração de Pequim e representa um tesouro que lembra vinte e quatro imperadores que reinaram durante quinhentos anos. O princípio da harmonia Yin-Yang é a chave da arquitectura e da decoração da China. A Cidade Proibida tem no seu palácio 9999 divisões e as portas estão cravejadas de oitenta e um cravos de bronze, 9 por 9. Há duas zonas nítidas no complexo imperial, a dos cerimoniais e das recepções oficiais bem como a da intimidade da vida do imperador, onde se encontravam as concubinas e os eunucos.
A partir da varanda sul, o imperador dirigia-se aos seus súbditos e presidia às cerimónias militares. Aí aliás, Mao Tsé-Tung proclamou a República Popular, a 1 de Outubro de 1949. O maior compartimento do palácio, a abrir a zona privada, era utilizado para a coroação do imperador: é o Salão da Harmonia Suprema. Todos nos lembramos do ambiente trágico que rodeia o filme “O Último Imperador”. Recordamo-lo ao visitar os recantos do Palácio Imperial, mas o que prevalece é a memória antiga da Dinastia Ming e Qing. Os jardins são encantadores: mil outonos e mil primaveras. Aqui eram feitos sacrifícios rituais. Na zona das concubinas há hoje, colecções de jade, de esmalte e de relógios imperiais. No Pavilhão da Longevidade Tranquila, veem-se os utensílios quotidianos do imperador. No Salão do Cultivo da Mente, habitou o filho do célebre Imperador Kangxi num momento importante em que a abertura do império poderia ter ocorrido. Infelizmente, a questão dos ritos fez retroceder tudo e levou à expulsão dos cristãos apesar das boas relações mantidas por muitos missionários jesuítas. Como já dissemos, a parte sul do Palácio Imperial tem um papel mítico especial: era onde os altos dignitários e o imperador assistiam às cerimónias militares.
Estamos na Praça de Tiananmen, a Praça da Porta da Paz Celestial. Aí está o Mausoléu de Mao Tsé-Tung. É a praça das manifestações e dos acontecimentos de 1989. Aí está o Palácio do Povo, sede do Parlamento Chinês.
Mas, permito-me realçar a existência do moderno Museu Nacional da China, que resultou da fusão do Museu da História da China e do Museu da Revolução representando uma nova atitude histórica. Desde a antiguidade aos tempos actuais, é o mais moderno museu da China, usando das mais actuais técnicas de museologia.
De partida para Xi’an, a velha capital da unificação chinesa, fica-nos desta cidade moderna de Pequim, a necessidade de cultivarmos o diálogo entre culturas; a marca maior do conhecimento mútuo e da dignidade humana, o que é a cultura afinal senão essa exigência de respeito e de paz.
:: Crónica IV
Vindos da capital contemporânea da China, chegamos à cidade de Xi’an – antiga capital da unificação do Império do Meio sob a acção de Ch’in Shih Huang-ti que reinou entre 221 e 210 a.C.. E se hoje falamos de China, tal deve-se à referência a este primeiro imperador. A cidade tornou-se também um destino da Rota da Seda, que partia de Ormuz mas que ligava o Mediterrâneo à China. Estamos perante uma realidade que permitiu a abertura de um império tradicionalmente fechado para algo que pôde ser conhecido dos europeus: foi a rota que levou o Budismo à China e que permitiu a Marco Polo dar a conhecer esta riquíssima cultura. Xi’an tornou-se mais conhecida nas últimas décadas graças à descoberta dos Guerreiros da Terracota: no túmulo do primeiro imperador, o gigantesco exército de que se conhece uma pequena parte. Os números são impressionantes e falam por si.
No primeiro pavilhão, vemos mil guerreiros expostos em onze corredores, o que é apenas um sexto do número existente de figuras enterradas no solo. No segundo, temos os restos de noventa carros, de quatrocentos cavalos e de mil guerreiros. E no terceiro, sessenta e oito figuras correspondentes ao comando do grande exército que protegia a viagem do genial imperador no reino dos mortos.
Os trabalhos arqueológicos continuam, são morosos e muitos complexos. Pode dizer-se que é a exploração arqueológica mais célebre da actualidade. A cidade de Xi’an está intimamente ligada às Dinastias de Qin e Han primeiro, e depois à Dinastia Tang. A história do império só pode ser compreendida nesta cidade, a começar pelo rigoroso sistema de recrutamento dos funcionários através de exames imperiais que valorizavam o mérito em lugar da existência de uma nobreza hereditária.
Uma visita da urbe leva-nos às muralhas da cidade e, simultaneamente, leva-nos também às Torres do Sino e do Tambor bem como aos Museus de Xi’an e à Floresta de Estelas.
Neste museu da Floresta de Estelas, nós encontramos aquilo que foi descoberto pelo Padre Álvaro Semedo em 1626 (padre natural de Nisa). E aquilo que foi descoberto dá conta da chegada à China em 781 da primeira missão de cristãos nestorianos vindos da Pérsia a que possivelmente Marco Polo faz referência, a primeira referência à terra de Preste João. A cidade era a cabeça do império com os seus seis ministérios: dos assuntos civis, dos ritos, das finanças, da guerra, da justiça e das Obras públicas. E simultaneamente temos dois grandes mercados que são como que os pulmões do corpo que era esta urbe. Por fim fomos às termas, as termas onde recordamos a tragédia amorosa da mitologia da Dinastia Tang.
:: Crónica V
Ainda temos na memória as Termas de Huaqing em Xi’an e a lenda trágica que lhe está associada. O Imperador Xuanzong começou a negligenciar os negócios públicos e apaixonou-se por uma das suas concubinas Yang Guifei. O resultado foi a ocorrência de um golpe de estado que levou à secessão do Nordeste do Império.
A concubina pagou com a vida e a dinastia Tang voltaria a recompor-se mas o certo é que a literatura e também o paisagismo beneficiaram largamente deste episódio que tem atraído muitos poetas chineses como Li Bai e que hoje é motivo de lazer turístico.
Partimos para Xangai, que etimologicamente significa “sobre o mar”. É o grande centro económico e financeiro, a maior cidade da China, o lugar dos entrepostos comerciais. O bund, ou cais lamacento, é hoje ocupado pelos mais modernos arranha-céus, iluminados feericamente.
A visita ao Templo dos Deuses da cidade dá-nos a dimensão do Taoismo popular, através do qual se protege a população e a cidade e se realizam os desejos do dia-a-dia. O principal deus deste templo é Qin Yu-Bo que teve sucesso na administração da costa marítima. Estamos perante um modelo, uma referência e um protector a que o povo recorre. Muitas imagens representam os nossos manes e penates da civilização romana. A cidade regurgita o mais variado comércio, desde que se tornou uma das metrópoles abertas ao exterior, pelo tratado de Nanquim de 1842 no fim da guerra do ópio, mantendo-se a cidade neutra durante a guerra sino-japonesa de 1894-95 e a revolta dos boxers de 1900 (a lembrança dos 55 dias em Pequim).
O mesmo não aconteceu porém em 1925 e 1926 aquando da sangrenta vaga de xenofobia e nacionalismo que assolou a China fazendo recordar a Rebelião dos Taiping (1853). A colónia cosmopolita regressou nos últimos anos à pujança antiga: 20 milhões de habitantes e uma presença muito intensa das novas tecnologias. Visitando a parte antiga de Xangai encontramo-nos transportados ao cenário do livro “Lotus Azul” das aventuras de Tintin, em que este conhece Tchang, o jovem arquitecto que permite a Hergé renovar profundamente a arte europeia da banda desenhada. No Peace Hotel de Xangai, homenageamos a antiga Banda de Jazz do Hotel e um dos seus elementos míticos está na nossa memória; trata-se de Art Carneiro, pai do nosso companheiro de peregrinação Roberto Carneiro. É um momento de especial emoção. Era como se ele tivesse regressado ali com um os velhos temas dos anos 40.
Conheça aqui o programa da viagem
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