A Vida dos Livros

A VIDA DOS LIVROS

Quando Albert Otto Hirschman (1915-2012), agora falecido, escreveu «Exit, Voice and Loyalty – Responses to Decline in Firms, Organizations and States» (Harvard Press University, 1970) talvez não pudesse prever como a obra depressa se tornou decisiva para a compreensão dos modernos problemas da ciência económica e da ciência política, de modo a superar as limitações das simplificações lineares, da incerteza e da mudança das circunstâncias.

A VIDA DOS LIVROS
de 7 a 13 de Janeiro 2013



Quando Albert Otto Hirschman (1915-2012), agora falecido, escreveu «Exit, Voice and Loyalty – Responses to Decline in Firms, Organizations and States» (Harvard Press University, 1970) talvez não pudesse prever como a obra depressa se tornou decisiva para a compreensão dos modernos problemas da ciência económica e da ciência política, de modo a superar as limitações das simplificações lineares, da incerteza e da mudança das circunstâncias.



UMA PERSONALIDADE FASCINANTE
Albert O. Hirschman foi um dos melhores exemplos da criatividade e da capacidade inovadora que Isaiah Berlin, seguindo a distinção de Arquíloco, atribuía aos intelectuais que considerava como raposas, por oposição aos ouriços. O seu percurso como economista nos Estados Unidos é disso uma evidente demonstração, desde a obra «The National Power and the Structure of Foreign Trade» (1945) até «Crossing Boundaries: Selected writings» (1998). Foi sempre um otimista, crente na realidade humana, sem nunca cair na ingenuidade das simplificações ou nas projeções lineares que caem naturalmente no fatalismo. E essa extraordinária capacidade sempre se deveu ao facto de Hirschman ter aliado o seu percurso académico a uma militância ativa, tantas vezes com o risco da própria vida, na defesa dos ideais da liberdade e da dignidade humana. Nascido em Berlim a 7 de abril de 1915 no seio de uma família liberal e culta de origem judaica, desde cedo se interessou pelos temas sociais e pela intervenção cívica, tendo na adolescência militado nas juventudes do Partido Social Democrata (SPD), apesar de não ter seguido a tendência mais radical de muitos dos seus companheiros. Leitor de Marx e dos pensadores socialistas, demonstrou sempre uma ávida curiosidade intelectual e crítica, procurando ligar a reflexão e a compreensão dos fenómenos da sociedade, em especial a complexidade e a importância dos conflitos na evolução da realidade. Costumava dizer: «Sou incapaz de estar sentado a ver os acontecimentos sem querer intervir». Em 1931, como dirá mais tarde em «A Moral Secreta do Economista», o jovem tem um caso inicial de recusa, que o marcará pela vida fora: «Era a primeira vez que fazia uma experiência de um conflito entre a saída e a voz, na qual foi necessário escolher entre o abandono e a expressão de uma discordância, a crítica do interior». E o certo é que, pouco depois, a ascensão do nazismo levou-o a ter de partir para França, onde frequenta a família de Michel Debré, futuro apoiante do General De Gaulle. Nesse tempo frequenta na Universidade de Paris os Altos Estudos Comerciais, partindo depois para Londres, onde segue durante um ano as lições da London School of Economics.


MILITANTE ATIVO
Em 1936, alista-se nas Brigadas Internacionais na Guerra de Espanha. Pouco depois, parte para Itália, com sua irmã, frequentando os círculos progressistas, onde obtém o doutoramento na Universidade de Trieste (1938), antes de ser alvo da aplicação das leis racistas italianas. Em 1940, torna-se, na Resistência francesa, o braço direito de Varian Fry, o jornalista americano que se dedicou a resgatar escritores, artistas e intelectuais perseguidos pelo poder nazi. Adota o pseudónimo de Albert Hermant no Emergency Rescue Committee, e graças à sua ação foi possível salvar cerca de duas mil pessoas, que puderam partir, através de Lisboa, para os Estados Unidos – como Marc Chagall, Max Ernst, André Breton, Marcel Duchamp e Hannah Arendt. Já residente nos Estados Unidos, colabora com o exército norte-americano nas frentes italiana e do norte de África, tendo sido depois tradutor nos Julgamentos de Nuremberga e participado ativamente na conceção e aplicação do Plano Marshall (segundo o conceito que defende claramente de “large scale grant giving”, os donativos de grande escala). Com tão grande experiência humana, a reflexão sobre os problemas económicos reveste-se de uma notável originalidade. Logo na sua primeira obra relevante pôs em causa as ideias tradicionais sobre relações comerciais, sobretudo como a assimetria nas relações entre Estados, que não derivaria das disparidades estratégicas e militares, mas das diferentes práticas comerciais e dos diversos graus de desenvolvimento. A sua estada na América Latina, em especial na Colômbia, nos anos 50, permitirá compreender, com base empírica e reflexão teórica, a complexidade do fenómeno da dependência e do subdesenvolvimento.


O DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E SOCIAL
A noção qualitativa de desenvolvimento económico e social terá em Albert O. Hirschman um contributo decisivo com a sua obra «A Estratégia de Desenvolvimento Económico», de 1958, que influenciou claramente a literatura económica dos anos seguintes. Criticando a síndroma do economista visitante, que vitimou muitos consultores externos em países subdesenvolvidos, advoga uma pesquisa empírica séria com aproveitamento dos conflitos e dos desequilíbrios. A noção de «crescimento desequilibrado» tornou-se, assim, muito útil em cenários muito diversos. Se inicialmente Albert O. Hirschman tinha a intenção de construir uma teoria essencialmente voltada para os países subdesenvolvidos, o certo é que terminou por encontrar uma abordagem também válida para o entendimento da mudança e do desenvolvimento em países mais avançados. Como afirmaria: «I set out to learn about others, and in the end learned about ourselves». É, todavia, em 1970 que publicará a sua obra mais célebre: «Saída, Voz, Lealdade – Resposta à decadência das Empresas, Organizações e Estados». Trata-se de uma síntese originalíssima sobre estratégias alternativas perante desafios económicos e sociais, sendo muito citada por analistas dos fenómenos humanos históricos e contemporâneos. Nesse momento da sua obra, o autor cruza audaciosamente as fronteiras entre os países atrasados e avançados. Ideologicamente, Hirschman foi sempre um autor que recusou as etiquetas. Leitor de Karl Popper, considerou que o fenómeno político tem uma importância fundamental, devendo a sociedade aberta ser privilegiada como fator de paz e de pluralismo. «Apesar do respeito que tenho pelo mercado, não acredito que este seja uma panaceia e entendo que o Estado tem um papel a desempenhar. Dizendo isto, conservei da minha experiência na Alemanha e na Itália fascista um horror ao Estado todo-poderoso» (Le Monde, 25.9.95). Nestes termos, manteve uma grande proximidade com Amartya Sen (casado com uma sobrinha), seu grande amigo e confidente, bem como um diálogo algo tenso com Paul Krugman, O seu reformismo era eminentemente pragmático, mas audacioso, acreditando nas melhorias graduais, no método popperiano de conjeturas e refutações, de tentativa e erro, e não na lógica não demonstrada que uma reforma gera necessariamente consequências fatais.


A IDEIA CRÍTICA DE AUTOSUBVERSÃO
No seu livro de 1995 sobre a propensão para a «Autosubversão», aplicou à reflexão que fizera um olhar crítico. Afinal, é o pensamento crítico o grande motor da criatividade. No caso da queda do muro de Berlim e do fim da RDA, Hirschman admite que a fuga massiva de cidadãos poderia confundir-se com uma voz de protesto e que as noções de saída e de voz poderiam confundir-se e ligar-se. A voz é a ação política por excelência, entra em cena quando a saída não é alternativa ou não é indispensável. Como vimos, ambas podem ser complementares. A saída é o abandono do embate político direto, tantas vezes para encontrar um outro modo de usar a voz. Quanto maior é a influência de um ator, mais eficaz é a voz, que assim reforça a lealdade. Lealdade, influência e coesão estão fortemente ligadas. E a lealdade contém uma forte dose de racionalidade. Ela corresponde à coesão e ao funcionamento das instituições. O indivíduo racional é leal à organização que o reconhece e que o premeia pelos seus esforços. E assim nas sociedades abertas a lealdade assenta na liberdade de ter voz e de poder sair. A influência científica e intelectual de Albert Otto Hirschman é notável. Apesar de não ter recebido o Prémio Nobel, como Joan Robinson, John K. Galbraith ou Celso Furtado, foi, sem dúvida, um dos pensadores mais influentes do século XX. E na conjuntura atual, deve dizer-se que o seu método e a sua lucidez são mais necessários do que em algum outro momento.


Guilherme d’Oliveira Martins

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