PARABÉNS PROF. JOSÉ-AUGUSTO FRANÇA!
Ouvindo Um Mestre Pioneiro
Por Guilherme d’Oliveira Martins
José-Augusto França é um historiador de Arte que soube sempre aliar a análise cuidada e aprofundada da criação cultural e artística ao contexto social e económico em que se insere. A leitura das suas obras é, assim, uma oportunidade rara de conhecimento, uma vez que relaciona a sociedade e a vida, vendo-se a história como um conjunto compreensivo, o que torna a sua apresentação apaixonante.
Não é possível estudar a reconstrução de Lisboa após o Grande Terramoto sem o contacto com a completa investigação realizada pelo Professor França sobre o tema, que é indubitavelmente a mais exautiva e esclarecedora que se conhece sobre a matéria.
A documentação que agora é publicada, antecedida de uma utilíssima nota introdutória de José-Augusto França, é a demonstração de que um investigador moderno tem de estar aberto ao diálogo com a realidade contemporânea, articulando o conhecimento histórico com a evolução, devendo conhecer bem o território em que se move e tornando-o uma projeção para hoje das dinâmicas conhecidas e estudadas.
Quando o historiador foi solicitado a pronunciar-se sobre a classificação da «Lisboa Pombalina», em 1967, no âmbito da ação do Município de Lisboa, desde logo considerou a necessidade de compreender o movimento histórico que corresponde ao surgimento da moderna cidade de Lisboa reconstituída sob a orientação de Sebastião José da Carvalho e Melo e da sua esclarecida equipa. Daí a proposta de alargamento da zona a classificar, considerando a abertura da Avenida da Liberdade, nos anos oitenta do século XIX, quando se rompeu o espaço confinado do Passeio Público.
A noção de preservação dos bens culturais, do património, dos conjuntos urbanos e da memória é hoje considerada, na senda do entendimento pioneiro de José-Augusto França, num sentido amplo e integrado em nome da qualidade e da fidelidade histórica. Não sendo a cidade uma realidade isolada, uniforme ou momentânea, há que considerar ainda os núcleos que a complementam, como os de raiz rural, que contribuem para a definição da identidade da cidade.
Os documentos, os testemunhos e as intervenções incluídos na presente publicação servem, assim, para demonstrar que a preservação do património, de monumentos e de conjuntos edificados, deve corresponder a uma ligação efetiva entre o conhecimento histórico e a sensibilidade cívica.
No Centro Nacional de Cultura não esquecemos o contributo inestimável de José-Augusto França como nosso Presidente, quando a democracia portuguesa moderna deu os seus primeiros passos e como presença constante nos passeios de domingo, nos roteiros, nos debates e na ação constante em prol do património português no mundo. Aqui albergámos, graças à iniciativa do nosso Professor, os cursos de História da arte da Universidade de Lisboa, o que nos enche de especial orgulho. E o certo é que continuamos sempre a contar com o seu avisadíssimo conselho e com uma parceria ímpar com o Grémio Literário.
A publicação agora dada à estampa é a ilustração do novo conceito de Património Cultural, que hoje se encontra plasmado na nova Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre o valor do Património Cultural na Sociedade Contemporânea (assinada em Faro em 27 de outubro de 2005) – que resulta da experiência de Helena Vaz da Silva na coordenação das Jornadas Europeias do Património do Conselho da Europa e da presidência, que coube a Portugal, e que tive a honra de assumir pessoalmente, do grupo técnico que propôs e levou à aprovação e à entrada em vigor daquele importante instrumento internacional. Deste modo, ao analisarmos tudo o que ora se publica temos de saudar o pensamento pioneiro de José-Augusto França e a sua lucidez prospetiva, que fica plenamente demonstrada. Percebemos que estamos perante um entendimento vivo do Património Cultural, concebendo a preservação a partir de uma íntima ligação entre todos os elementos relevantes ligados aos edifícios, aos monumentos, ao urbanismo, às tradições, ao mundo da vida e à criação contemporânea.
Estamos perante um pequeno manual prático, que parte da Lisboa pombalina, mas que insere a reconstrução, a preservação e a adaptação aos novos tempos como um ato permanente de cultura e de cidadania. Devemos os ensinamentos, o exemplo e a experiência a José-Augusto França, ouvindo-o atentamente e seguindo-o!
NOTA: Texto escrito no âmbito da publicação de um livro de Homenagem ao Professor José-Augusto França, a publicar (em novembro de 2012) pelo Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa
Fotografia: © CNC/Helena Serra