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XV. Da “Viradeira” à Revolução liberal

Com a morte de D. José (1777), caiu em desgraça o Marquês de Pombal. Ao subir ao trono D. Maria I vai procurar reparar o que se considerava serem as maiores injustiças cometidas pelo favorito de seu pai. Dá-se início à chamada “Viradeira”, que se vai limitar, porém, apenas a alguns aspetos da política anterior. Há uma relativa reabilitação da família dos Távoras e uma tentativa de responsabilização de Sebastião José, sem consequências significativas. José Seabra da Silva (1732-1813), o autor da “Dedução Cronológica”, que caíra em desgraça e fora desterrado por Pombal para o Brasil e África por razões nunca esclarecidas, assume funções de Secretário de Estado dos Negócios do Reino (1788-1799), sendo depois afastado por discordar da atribuição de plenos poderes ao Príncipe D. João ainda em vida de sua mãe, D. Maria I (1734-1816), a quem fora diagnosticada grave doença do foro psiquiátrico. Entre as decisões que foram adotadas no seu reinado avultam a fundação da Academia das Ciências de Lisboa (1779), da Real Biblioteca Pública (1796) e da Casa Pia de Lisboa (1780). Diogo Inácio de Pina Manique (1733-1805), Intendente Geral da Polícia, foi o impulsionador desta última instituição, para socorro dos pobres e ensino dos órfãos. A perseguição dos afrancesados partidários da Revolução Francesa por Pina Manique foi controversa, levando, aliás, ao seu afastamento em 1803… Pode dizer-se, assim, que a “Viradeira” é um movimento complexo e ambíguo, já que se há medidas que contrariam a orientação iluminista de Pombal, outras dão-lhe continuidade…

O final do século XVIII será marcado na Europa pela Revolução Francesa e pela ofensiva de Napoleão. As guerras peninsulares constituíram um momento especialmente importante até porque o expansionismo napoleónico encontrou aqui uma forte resistência, em virtude da aposta britânica em complementar a vitória marítima de Trafalgar (1805), beneficiando do acesso por mar relativamente fácil, a partir das ilhas britânicas, em contraste com as dificuldades sentidas pelos franceses, que não dominavam o Golfo da Gasconha. Enquanto os britânicos chegavam por mar, vindos do sul de Inglaterra sem perdas, os franceses, ao passarem os Pirenéus, tinham uma marcha muito depauperante. A Península Ibérica teve, assim, dois destinos: o da salvaguarda da independência portuguesa, graças ao movimento determinante da saída da corte para o Rio de Janeiro, com a criação do único império europeu dirigido da América do Sul; enquanto Espanha teve de sofrer a momentânea perda da independência. Em novembro de 1806, aquando da conquista de Berlim, o Imperador Napoleão proclamou o bloqueio continental, que exigia o fecho de todos os portos europeus aos navios de Sua Majestade Britânica. Esta medida visava a paralisia da indústria britânica e uma inevitável crise social. O príncipe regente D. João, em Portugal, foi protelando a aplicação da decisão, de consequências imprevisíveis. Para o Reino Unido, a Dinamarca e Portugal, pelas armadas importantes que possuíam, eram duas peças chave para um eventual sucesso do bloqueio e para a afirmação do domínio napoleónico. Em Friedland (1807), Alexandre I, czar da Rússia, ficou submetido ao domínio de Bonaparte, o que tornava a fachada atlântica de Portugal – onde se não aplicara o bloqueio – ainda mais decisiva para as aspirações da velha Albion. Aquando dos Tratados com a Rússia e a Prússia de Tilsit (1807), o imperador decide secretamente a ocupação da Península Ibérica, da Suécia e da Dinamarca, devendo as casas reinantes ser depostas e substituídas por monarcas da confiança do Imperador. Em consequência, em setembro de 1807 Copenhaga foi bombardeada preventivamente pelos britânicos, que se apoderaram da esquadra do reino. O bombardeamento britânico de Copenhaga teve um efeito europeu de curto prazo pernicioso, uma vez que conduziu à adesão ao bloqueio de alguns estados que se tinham mantido neutrais até então. A Inglaterra chegou a pôr a hipótese de invadir Portugal, se tal fosse necessário, mas prevaleceu a cobertura defensiva da saída da corte portuguesa para o Brasil – nos termos da convenção secreta de 22 de outubro de 1807. O estudo económico deste período ocupou António Alves Caetano em «Os Socorros Pecuniários Britânicos destinados ao Exército Português (1809-1814) – Subsídios para a História da Guerra de Libertação Nacional» (ed. Autor, 2013), ensaio que explica o sucedido. Sabemos como a frota portuguesa era ambicionada por Napoleão. Jean-Andoche Junot foi, por isso, incumbindo de apresar a armada, logo que chegasse a Lisboa. No entanto, os navios mais importantes tinham partido para terras de Vera Cruz, enquanto a outra parte da frota portuguesa ficou a bloquear o estuário, para evitar que as tropas imperiais fossem abastecidas e para impedir a saída de uma frota russa, que acidentalmente se acolhera ao Tejo. A ocupação de Portugal durou até setembro de 1808, tendo as tropas de Arthur Wellesley imposto aos franceses as derrotas de Roliça e Vimeiro, que puseram em xeque a posição de Junot. Vencido, Napoleão não desiste, propondo-se voltar a conquistar Portugal, encarregando dessa difícil missão o Marechal Nicolas Soult, seu favorito e herói de Austerlitz e de Iéna. A defesa de Portugal foi, no entanto, cuidadosamente preparada pelo Estado-maior britânico, permitindo que o exército português, apesar de enfraquecido, adquirisse uma apreciável capacidade de combate. Havia vantagem estratégica inglesa em Portugal pela proximidade marítima e pelo conhecimento das costas, por contraste com as dificuldades francesas. Sir Arthur Wellesley, Lorde Wellington, traz uma frota de 75 navios à foz do Mondego, em agosto de 1808, com víveres e forragens para os cavalos. O percurso da Figueira da Foz até Lisboa é feito junto ao mar, com o apoio da esquadra e assim ocorreu uma claríssima vitória da logística. William Beresford chegou a Portugal em março de 1809 e foi-lhe confiado o comando e a reorganização do exército, com o apoio do secretário do Governo para a Guerra, D. Miguel Pereira Forjaz. Mercê de uma minuciosa investigação nos arquivos do Erário Régio (no Tribunal de Contas) chega-se a conclusões preciosas: sendo o auxílio financeiro britânico às tropas portuguesas essencial. O governo britânico socorreu Portugal com a entrega de dinheiro, géneros alimentícios, armas, calçado e fardamento, o que correspondeu ao valor espantoso de 70 por cento das receitas totais que o Erário Régio foi capaz de captar nesses anos dramáticos. De 12 de abril de 1809 a 30 de setembro de 1814, entraram nos cofres do Erário Régio 29.258 contos de réis (cerca de 8 milhões de libras esterlinas), para manutenção de 30 mil homens (quando inicialmente tinham sido previstos efetivos de cerca de metade), num exército regular, que Portugal antes não tinha tido, tão bem equipado e eficaz. Aliás, aquando da vitória do Buçaco as apreciações do comando inglês foram encomiásticas sobre as qualidades militares dos portugueses. Acrescente-se que o auxílio financeiro da Grã-Bretanha teve o mérito de prevenir a bancarrota portuguesa, sendo que os atrasos nos pagamentos em 1814-15 foram responsáveis pelo não envio de reforços portugueses para Waterloo. O certo é que foi decisiva a determinação de Lorde Wellington para garantir os «socorros pecuniários». E os ganhos estratégicos da vitória foram evidentes: com a ativação do comércio brasileiro, o domínio do Atlântico Sul, a valorização do porto de Lisboa e do sal de Setúbal – e a reorganização do Exército português, graças ao planeamento de William Beresford.

Agostinho de Morais

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