Reflexões

De 30 de Agosto a 5 de Setembro de 2004

Iniciaremos esta semana a viagem que nos levará a S. Tomé, ao Benim e a Cabo Verde. Como aperitivo, recordo o que escrevi há alguns anos. “S. Tomé é a natureza em estado puro. Temperatura 32 graus, mais de noventa por cento de humidade. Hospitalidade máxima. O Equador africano suscita um encontro extraordinário entre a vegetação luxuriante, o sol e o mar…

Iniciaremos esta semana a viagem que nos levará a S. Tomé, ao Benim e a Cabo Verde. Como aperitivo, recordo o que escrevi há alguns anos. “S. Tomé é a natureza em estado puro. Temperatura 32 graus, mais de noventa por cento de humidade. Hospitalidade máxima. O Equador africano suscita um encontro extraordinário entre a vegetação luxuriante, o sol e o mar. O povo é muito acolhedor. Visitei várias escolas. Encontrei professores disponíveis, capazes de fazer milagres quotidianos, e crianças afáveis. Mas falta tudo. Depois dos ciclos da cana-de-açucar, do café e do cacau, houve um regresso à economia de subsistência – mas o país parece estar a despertar. A directora da Escola Primária de D. Maria de Jesus, nome dado em homenagem à mãe de Alda do Espírito Santo, a autora inesquecível de “É Nosso o Solo Sagrado da Terra”, faz questão de mostrar o grande empenho de todos os professores e os bons resultados dos alunos. Com olhar surpreendido, todos respondiam serenamente às questões sobre os trabalhos em curso… É uma escola de grande dimensão, que recorda um outro tempo – as carteiras alinhadas, os velhos tampos, o lugar para os tinteiros. Até onde irão estes jovens cheios de curiosidade, talvez sonhando com a possibilidade de repetirem as passadas do prometedor Luís Boa-Morte ? O centro cultural português tem tido uma importância muito grande. Para ilustrar o diálogo cultural, aí está o Tchiloli ou a “Tragédia do Marquês de Mântua e do Princípe Carloto Magno” – a lembrar as tradições do “melting pot” português. Como não ficarmos maravilhados por ver uma peça popular do ciclo carolíngio no meio do Atlântico?… Na sala de leitura do centro cultural português, Almada Negreiros é a referência. As mesas estão cheias de leitores, jovens estudantes ao lado de idosos, que vêm em busca de notícias frescas, dos jornais desportivos e de tudo o mais, nesta terra, que viu nascer Albertino Bragança, Rafael Branco, o escritor de “Makuta, antigamente lá na Roça”, ou Manuela Margarido, a poetisa de “Alto como o Silêncio” – que marcou Alfredo Margarido e que acolheu Francisco José Tenreiro, o autor do primeiro livro em que a negritude se exprime em português – “Poesia Negra de Expressão Portuguesa” (1953). “Sobem, do mercado do ponto, as casas de madeira assentes em estacas, a noite, as mesas aluminadas onde se vende aguardente, tomates, especiarias, cigarros, malagueta. O Bairro do Riboque. Correm as galinhas, de um lado para o outro, empurram as cabras as crias, dignas e indiferentes” – assim desenha Manuel Poppe o cenário donde sobressai Rosa Adriana, a heroína de um tempo impiedoso e cruel. E temos de ter presente, como autêntico símbolo destas ilhas e deste povo, o pau gunu, árvore santomense que, atingindo certa altura, começa a inclinar até tocar o solo, onde lança novas raízes, para recomeçar novamente o seu crescimento… E hoje, volta o tempo de lançar raízes a fim de que tudo possa recomeçar…”

Guilherme d`Oliveira Martins

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