A VIDA DOS LIVROS
de 14 a 20 de Novembro de 2011
O livro «Viagens e Exposições – D. Pedro V na Europa do Século XIX» da autoria de Filipa Lowndes Vicente (Gótica, 2003) trata das duas viagens europeias dos futuros reis D. Pedro e D. Luís (1854 e 1855) e a esse propósito contem uma análise circunstanciada dos itinerários seguidos e dos comentários feitos pelo rei «Esperançoso» sobre o que vê, na perspetiva de contribuir ativamente para a modernização de Portugal, que considera essencial. Assinalando-se 150 anos da morte de D. Pedro V (1837-1861) a 11 de Novembro, o CNC homenageou o jovem rei no domingo, visitando o Palácio da Ajuda, onde não viveu, mas onde se encontram a sua melhor iconografia e objetos que invocam a sua memória.
SER MODERNO
D. Pedro V tem atraído a atenção e a simpatia de diversos autores, avultando o estudo de Ruben Andresen Leitão em «D. Pedro V, Um Homem e Um Rei» (agora reeditado, Texto, 2011). A verdade é que, quanto mais conhecemos o seu pensamento e a sua ação, mais percebemos as suas qualidades e a sua força anímica. Filipa L. Vicente, dizendo que se limita a acompanhar os escritos de viagem do futuro rei, consegue dar-nos um retrato impressivo de um jovem, à beira de fazer 18 anos de idade, que revela uma personalidade determinada e positiva, profundamente crente na mudança e na moralização de Portugal. Ruben A. disse, certeiramente, que foi o primeiro homem moderno que houve em Portugal e percebemos, de facto, que não é já um romântico, posto que admire a geração romântica (como Herculano, Castilho e Camilo), mas sim alguém que acredita na necessidade de um salto no sentido do progresso. O coração do país deveria bater ao ritmo da Europa, como dirá a geração dos jovens do Casino. D. Maria da Glória e D. Fernando II, seus pais, preocuparam-se sempre com a exigência na formação do futuro monarca, e a verdade é que D. Pedro de Alcântara correspondeu com disciplina, trabalho e sentido do dever. Muito jovem ainda deslocava-se ao Palácio da Ajuda, onde Herculano era diretor da Biblioteca (por influência de D. Fernando) para ter longas conversas com o velho historiador. Cedo teve de combater um presságio, presente num sonho tremendo quando tinha dez anos: «Sonhei (…) que uma águia me levava às nuvens; que, lançando-me da maior altura, fez com que me despedaçasse caindo eu sobre a terra, subindo ao mesmo lugar donde me levantara o meu irmão Luís. Terrível pesadelo este; parece-me que ainda sinto a queda». De qualquer modo, não se deixa esmorecer. Estuda os clássicos latinos, aprende grego com o seu amigo António José Viale, entusiasma-se com as ciências naturais e a matemática, prepara-se com Fortunato José Barreiros nos domínios militares. Em cada disciplina empenha-se, compreendendo que um rei moderno tem ter a melhor formação e informação.
VIAJAR SEM SER PASSATEMPO
Quando o jovem D. Pedro é chamado à ribalta, com apenas 16 anos, por morte prematura de sua mãe, D. Maria da Glória (1853), decide concretizar as viagens que há muito era aconselhado a fazer, ora por seus tios a Rainha Vitória e o Príncipe Alberto, ora por seus pais e conselheiros. Era tempo de fazer uma ronda pelas nações mais civilizadas. No dia 28 de Maio de 1854, parte e visita Inglaterra, onde ficará a maior parte do tempo e depois parte para a Bélgica, Holanda, Prússia e Áustria, regressando a Lisboa a 17 de Setembro, no dia seguinte ao seu aniversário. Em 20 de Maio de 1855, volta a partir, regressando a 14 de Agosto. É em França que permanece, desta feita, mais tempo. Depois visita Itália, a Suíça, a Bélgica e a Ilha de Wight. São curiosíssimos os comentários. O jovem enfastia-se com as cerimónias longas e inúteis. Em contrapartida entusiasma-se com as experiências científicas e o progresso tecnológico. Com a Rainha participa na inauguração do Palácio de Cristal de Londres (1854). A cada passo, interessa-se pelas descobertas científicas: «Julguei dever começar pelo mundo animado para acabar com o mundo inanimado e com os objetos que são domínio da história» – dirá em Londres no mesmo ano. Mas em França recusa frivolidades: «Decididamente não nasci para fazer figura na sala de baile» (1855). D. Pedro enquadra o objetivo da viagem: «ninguém abordava a questão essencial, que é o facto de ser esta uma viagem de instrução. Pensavam que nos íamos divertir, porque em Portugal viajar no estrangeiro significa diversão». Não se trata, pois, de um passatempo, mas sim de um rigoroso contacto com o que de mais avançado se produz e se faz. Na Exposição Industrial de Paris de 1855, afirma: «aconteceu o que eu havia predito; as matérias-primas foram recebidas de uma maneira muito lisonjeira para o nosso futuro comercial; a indústria popular mereceu muita atenção; e a indústria regularmente organizada não fez efeito nenhum». No fundo, percebe que o importante é apresentar um país apto a responder positivamente aos estímulos imediatos da modernização. Em Londres mostra-se animado e ativo, mas ao chegar à Bélgica sente tédio pelo formalismo anacrónico da corte.
FINALMENTE, REI
Em 1855, com a maioridade, é aclamado rei e define um plano de ação ambicioso. Coloca à porta do Paço das Necessidades uma Caixa Azul e outra Verde, a primeira é para os pedidos de ajuda financeira e empenhos; a segunda é para reunir as Cartas dirigidas ao monarca, no sentido de obter sinais positivos. No reinado fugaz, avultam acontecimentos marcantes. Logo em 1856, no ano da inauguração do primeiro troço da linha de caminho-de-ferro, o rei assina um relatório sobre «O Caminho de Ferro de Leste». Nomeia em Junho o tio-avô Marquês de Loulé do Partido Histórico como chefe do governo, o qual vencerá as eleições de 9 de Novembro. Começa a funcionar a linha telegráfica entre Lisboa e o Porto. É decretada a liberdade para os filhos de escravos nascidos no Ultramar, depois de atingirem os 20 anos. Em 1857, é assinada a Concordata sobre o Padroado Português. Declara-se a epidemia de febre-amarela. Dá-se o incidente com a barca «Charles et George», aprisionada em Moçambique por traficar escravos. Em Dezembro é assinado o contrato matrimonial do rei com D. Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringen. O Partido Histórico volta a ganhar eleições em 1858. É abolido o beija-mão real, e a 18 de Maio de 1858 realiza-se o casamento de D. Pedro e D. Estefânia, na Igreja de S. Domingos. O executivo cede ao ultimato do governo francês na questão da «Charles et George». A pressão contra as irmãs de caridade aumenta. Em 1859, é designado um novo governo, regenerador, com a participação de Fontes Pereira de Melo; inaugura-se a Mala-Posta para o Porto (34 horas de viagem). Ocorre a tragédia da morte de D. Estefânia com o tifo. D. Pedro V faz luto pesado, mas não baixa os braços e aprova o Curso Superior de Letras, onde tenta recrutar Herculano e Castilho, no entanto é Rebelo da Silva que se encarregará da cátedra de História. As relações com Herculano tinham esfriado o que dificultou a abordagem, que não terá sucesso.
O Rei encontra Camilo Castelo Branco na Cadeia da Relação e deseja vê-lo livre o mais depressa possível. Dirime-se com a Holanda a questão de Timor-Leste. Em Agosto de 1861, inaugura-se a Exposição Industrial em que o rei põe muitas esperanças. O infante D. Fernando, irmão do rei, contrai o tifo e morre, seguindo-se D. Pedro V e D. João e haverá tumultos contra o governo de Loulé, a quem acusam de envenenar os príncipes. Há uma aura que se estabelece com D. Pedro V, espécie de contraponto a D. Sebastião. Ruben Andresen diz: «O Rei vivia muitos anos para além da época em que reinava, e isso prova a não existência de uma torre de marfim onde os Reis e mesmo os indivíduos que não o são, pretendem habitar; D. Pedro queria que o igualassem como homem aos outros homens, profetizou uma igualdade entre aquele mínimo de condições humanas que é lícito qualquer ente possuir (…). O que fez foi pensado e pensava em tudo aquilo que necessitasse estudo e meditação».
Guilherme d’Oliveira Martins