Educar é o melhor modo de antecipar o futuro. E se falamos de futuro é porque a aprendizagem é a compreensão da importância presente da experiência. O futuro é a compreensão do presente. António Sérgio (1883-1969) seguiu o exemplo de Francis Bacon e de Montaigne privilegiando o método dos Ensaios. E que são os ensaios senão a demonstração do saber todo de experiências feito. Ao longo da vida preocupou-se com o testemunho pedagógico para as gerações futuras, usando essencialmente o método crítico. Hoje, mais do que nunca, é necessário lermos e ouvirmos os seus ensaios, onde nos propõe, em lugar de receitas ou de caminhos pré-fabricados, vias múltiplas centradas na liberdade e na responsabilidade, articulando a importância da singularidade individual (ou não fosse ele sempre um idealista racional) com a solidariedade voluntária (baseada na ação do cooperativismo). Note-se que, no fugaz tempo em que foi Ministro da Instrução Pública, deixou duas marcas muito evidentes, que merecem lembrança: a criação da Junta de Orientação dos Estudos (Decreto nº 9332, de 29 de dezembro de 1923) e do Instituto do Cancro. A Junta foi criada no sentido da abertura dos nossos investigadores e estudantes ao contacto internacional, através de bolsas de estudo e de formações avançadas (que teria continuidade na Junta de Educação Nacional, no Instituto de Alta Cultura, chegando ao Instituto Camões). Devemos lembrar que José de Azeredo Perdigão, um sergiano confesso, desenvolveu, na linha do mestre o apoio ao conhecimento na Fundação Calouste Gulbenkian, com belos frutos na abertura de horizontes centrados no valor e na liberdade. O Instituto Português para o Estudo do Cancro (Decreto nº 9333, de 29 de dezembro de 1923), hoje Instituto Português de Oncologia, que o Professor Francisco Gentil animou, dando projeção internacional e grande prestígio, é um exemplo premonitório da necessidade de ligação estreita entre a ciência e a saúde. Poucos governantes têm a seu favor uma tão importante marca simbólica de valor perene.
António Sérgio foi um polemista aguerrido, por isso podemos afirmar que, na senda de figuras que tanto admirou, como Alexandre Herculano e Antero de Quental, preocupou-se em modernizar Portugal, seguindo a lição da Regeneração e da Geração de 1870, na perspetiva de superar a mediocridade, sem iludir defeitos e limitações. O empenhamento na causa da Instrução Pública é significativo e facilmente o verificamos na leitura da sua vasta bibliografia. Foi importante a passagem por Genebra com sua mulher D. Luísa Sérgio e compreendemos como António Sérgio pensou a modernização do País através do estudo e do conhecimento. Leia-se a série de ensaios publicados na revista “A Águia”, da Renascença Portuguesa, sobre a “Educação Cívica”, que continua a ter atualidade pela defesa de uma cidadania ativa e pela ideia de República Escolar, na linha do pensamento de John Dewey, um dos mais fecundos pedagogistas do seu tempo. E a verdade é que aí encontramos uma preocupação fundamental em que o rigor e a exigência se aliam à motivação e à tomada de consciência fecunda de cidadãos livres e iguais, autónomos e responsáveis, empenhados e solidários. Para Sérgio a escola era lugar natural de cidadania, e as mais recentes investigações das neurociências confirmam a importância de considerar desde a infância a aprendizagem da cidadania e do compromisso solidário. A sociedade não está fora da escola, faz parte intrínseca da vida escolar e da comunidade educativa. Do mesmo modo, o cooperativismo constitui um desafio prático, que ainda hoje continua por cumprir, sendo um elemento que a história recente tornou mais atual. A ação cooperativista de António Sérgio constitui uma indelével marca política que, apesar das resistências, continua a ser relevante. De facto, nem o Estado nem o mercado só por si podem responder às exigências da sociedade e da economia. Assim, para que não haja um Estado produtor, centralizado e burocrático ou um mercado vulnerável e incapaz de garantir eficiência e equidade ou de assegurar uma concorrência sã e equilibrada, impõe-se a criação de uma economia cooperativa, capaz de realizar um Estado catalisador e ordenador e um mercado justo…
A obra do escritor é rica em reflexão, mas pode dizer-se que o espírito de reformador está enraizado na sua atitude intelectual. Trata-se de procurar linhas de orientação e de ação capazes de garantir a superação do nosso atraso. Daí a dualidade transporte / fixação, na qual há uma procura determinada no sentido do melhor aproveitamento dos recursos próprios – a começar nas pessoas e a continuar nos recursos disponíveis – no território, na inserção internacional e na cooperação científica e técnica. Quando António Sérgio publicou a sua Antologia dos Economistas Portugueses (1924) ou quando proferiu a conferência sobre “as duas políticas nacionais” (1925), dada à estampa no segundo volume dos Ensaios, lembrou que três autores seiscentistas, Luís Mendes de Vasconcelos, Severim de Faria e Duarte Ribeiro de Macedo, iniciaram a doutrina da política da Fixação, contra a política do Transporte; e o reformismo português, desde aí até agora, será o desenvolvimento dos princípios que defenderam nas suas obras. Em Vasconcelos é a Fixação, pela agricultura; em Severim, pela agricultura e pelas indústrias; em Macedo, finalmente, são as minúcias de um programa de fomento industrial”. Logo no final do século XVII, porém, o dinheiro das minas do Brasil, mais tarde os empréstimos do fontismo e as remessas dos emigrantes adiaram a realização das ideias dos reformadores. Mas o seu espírito continua, ressalvadas as distâncias e qualquer anacronismo, vivo e pertinente, em nome de um reformismo que foi assumido por Herculano, pela geração de 1870, pela “Seara Nova” e pelo moderno pensamento democrático. Como afirmou: “parece-me que os males de que nos queixamos são fatalíssima consequência da estrutura da sociedade, – e que só portanto terão remédio se nos metermos firmemente a transformar essa estrutura, o que não é possível com pregações, nem com políticas de autoritarismo, nem com reformas só pedagógicas, – mas com reformas sociais e pedagógicas entrelaçadas como fios de um tecido único, as quais preparem o nosso povo para um uso razoável da liberdade e para empreender por si mesmo a sua emancipação social-económica”. Neste folhetim que prossegue, a modernidade faz-se de consciência crítica. O tempo é revelador de uma cultura de várias realidades…