Damião de Góis (1502-1574) é símbolo do humanismo universalista português. É um bom fantasma, que em lugar de se deixar encerrar dentro dos nossos limites, dialogou com os grandes espíritos do seu tempo. Foi hóspede e confidente de Erasmo de Roterdão, foi desenhado por Albrecht Dürer. Foi historiador, epistológrafo, diplomata e viajante. Na corte de D. Manuel sofreu influência de Cataldo Sículo (1455-1517), precetor de príncipes portugueses, que o influenciou para o estudo dos clássicos greco-latinos, e conheceu as principais personalidades da política e cultura portuguesas do tempo. Nesses anos iniciais, conviveu com matemáticos, músicos, poetas e navegadores. Com o apoio de D. João III pôde libertar-se das suspeitas inquisitoriais, o que não aconteceu no tempo seguinte, designadamente sob o poder do Cardeal-Rei. A sua biografia e a sua obra dão-lhe um lugar fundamental no panorama da cultura europeia. E quando hoje se visita Alenquer, sentimos a presença positiva de Damião de Góis e a sua lição de abertura e liberdade. Ainda ao falarmos de humanismo, lembramos a reflexão de Jaime Cortesão no tocante ao humanismo universalista franciscano, como raiz da primeira globalização e do Renascimento.
Sobre a nossa cultura, António José Saraiva falou do “estar-se onde não se está”, o que levaria os portugueses a serem religiosos e heréticos; ortodoxos, mas heterodoxos; emigrantes mas não colonizadores (por força da miscigenação); aventureiros, mas radicados (como na Diáspora); pobres mas generosos; e atrasados, mas crentes num destino. De Gil Vicente a António José da Silva, o Judeu, de Garrett a Camilo e Eça de Queiroz encontramos a exigência crítica como contraponto à indiferença ou ao conformismo. Quanto ao “país de suicidas” de Unamuno, este não seria senão manifestação de inconformismo e de combate à passividade e à irrelevância. O Padre Manuel Antunes, lembrado por Miguel Real, afirmou: “Reencontrar o antigo, por vezes mesmo o mais antigo para criar algo de novo (…). A nossa história multissecular de Povo independente é feita de espaços de continuidade e de espaços de rutura, de períodos de deterioração e de períodos de recuperação, de anos de sonolência e de momentos de crítico despertar, de estados de descrença e de instantes largos de esperança quase tão ampla como o universo” … Uma história antiga, com raízes culturais múltiplas, encontro entre vontade e destino – tudo se somando numa Ibéria em que a nossa “maritimidade” se contrapõe à “continentalidade” de Espanha, projetando nos dois símbolos contrapostos – Fernão Mendes Pinto, como personagem múltipla no mundo, e D. Quixote, como imaginação e sonho. A multiplicidade da aventura da Peregrinação sublima-se na vontade do povo que Herculano encontra como explicação da independência e da unidade. O Brasil é a imagem grandiosa da frente marítima europeia de Portugal, enquanto as Espanhas projetam-se na América em múltiplos países… Segundo Eduardo Lourenço, faltou-nos mentalidade europeia desde a segunda metade do século XVI. Por isso Antero nos ensinou au não nos escondermos no nosso passado (o Messias de Portugal é o seu próprio passado). E não podemos deixar de recordar a importância de Matias Aires (1705-1763). Para o filósofo luso-brasileiro, a verdadeira felicidade não é a ilusória: do poder, da riqueza e da fama; é, sim, a “da aproximação incessante à verdade, exigindo o desmascaramento da vaidade individual e social, findando no estado interior de serenidade de quem sabe (…) que tudo é vaidade” …