O debate europeu parece resumir-se a algumas pobres repercussões nacionais da política europeia. Esquece-se que estamos no momento decisivo da Conferência Intergovernamental (CIG) que irá definir, segundo se espera ainda este mês, o texto do novo tratado constitucional. Estamos a sofrer da falta de audácia dos principais governantes europeus no tocante à definição do nosso futuro comum. Ao contrário do que muitos pensam, o problema fundamental da União Europeia reside em ter ou não capacidade para criar uma União política que tenha voz e seja respeitada na ordem internacional. Perante a crise de liderança norte-americana (é preciso que se diga que é isso que acontece, depois de tantos erros do aprendiz de feiticeiro que conduz os Estados Unidos para um perigoso beco sem saída, que afectará também, e severamente, a Europa) não podemos continuar com o actual vazio de vontade e de objectivos comuns. O que está em causa não são alguns votos no Conselho da União (como pretendia o Sr. Aznar) nem a futura composição da Comissão europeia. O que está em causa é a criação de um verdadeiro “método comunitário” que nos leve a combater o risco do directório dos grandes e a divisão. Se o “federalismo” causa alergia a alguns, a verdade é que, por uma questão de sobrevivência, sobretudo para países como Portugal, precisamos de órgãos e de pessoas capazes de defender os interesses e os valores comuns, contra os egoísmos nacionais. A tal método, pela sua originalidade, devemos chamar-lhe, apenas, comunitário – sendo fiéis ao discurso de Robert Schuman. Não está em causa o fim do Estado-nação, mas sim o termo de uma concepção fechada e absoluta do Estado. Como temos visto designadamente a propósito da falta de coordenação de políticas económicas na União e da cegueira sobre alguns critérios puramente formais de natureza contabilística, são os maiores Estados que se aproveitam da falta de determinação dos pequenos e médios Estados em fazer prevalecer a defesa dos interesses comuns. Eis porque é um terrível engano julgar que a soberania nacional se defende resistindo aos avanços do método comunitário, de uma liderança europeia e de órgãos comuns, como a Comissão e um Parlamento Europeu cada vez mais bicamaral. A soberania moderna tem de ser compartilhada e activa. Deve realizar-se com maior audácia nas políticas comuns, com mais meios para a coesão económica, social e territorial, com melhores políticas coordenadas (segundo o método aberto de coordenação da Estratégia de Lisboa), designadamente na educação, no emprego, na formação, na investigação científica e na cultura. É preciso haver mais Europa política. E uma atitude meramente defensiva poderá conduzir-nos no sentido da fragmentação e do enfraquecimento. Corremos o risco da decadência e de tornar as soberanias nacionais caricaturas de si mesmas se não compreendermos que a hora é de avançar.
Guilherme d`Oliveira Martins