A Vida dos Livros

A VIDA DOS LIVROS

Para assinalar um quarto de século da integração portuguesa nas Comunidades Europeias, o gabinete do Parlamento Europeu em Lisboa, sob a iniciativa de Paulo de Almeida Sande, teve a excelente e oportuna ideia de reunir em livro um conjunto de depoimentos sobre Portugal e a União Europeia intitulado «25 Anos de Integração Europeia» (Parlamento Europeu, Gabinete em Portugal, 2010). A obra vale por si e merece ser lida cuidadosamente, uma vez que contém um manancial assinalável de temas e análises, sob perspectivas diferentes, que permitem uma releitura muito fecunda do fenómeno europeu, a partir de Portugal, num momento em que as crises, cujas consequências bem sentimos, nos obrigam a lançar novas pistas de acção que reencontrem as melhores raízes do projecto europeu, como catalisador de paz e segurança, de desenvolvimento sustentável e de diversidade cultural.

A VIDA DOS LIVROS 
de 6 a 12 de Junho de 2011



Para assinalar um quarto de século da integração portuguesa nas Comunidades Europeias, o gabinete do Parlamento Europeu em Lisboa, sob a iniciativa de Paulo de Almeida Sande, teve a excelente e oportuna ideia de reunir em livro um conjunto de depoimentos sobre Portugal e a União Europeia intitulado «25 Anos de Integração Europeia» (Parlamento Europeu, Gabinete em Portugal, 2010). A obra vale por si e merece ser lida cuidadosamente, uma vez que contém um manancial assinalável de temas e análises, sob perspectivas diferentes, que permitem uma releitura muito fecunda do fenómeno europeu, a partir de Portugal, num momento em que as crises, cujas consequências bem sentimos, nos obrigam a lançar novas pistas de acção que reencontrem as melhores raízes do projecto europeu, como catalisador de paz e segurança, de desenvolvimento sustentável e de diversidade cultural.
 



TENTAR OLHAR O FUTURO
Parto da reflexão de Ernâni Rodrigues Lopes (ERL), pouco antes de falecer, sobre os referidos vinte e cinco anos de Integração Europeia. Num texto pequeno, mas acutilante, falou da necessidade de fazer, perante os resultados obtidos na experiência europeia, «um exercício simétrico no eixo do tempo», no qual se contraponha a prospectiva ao balanço, ou seja, torna-se indispensável «enunciar a questão sobre qual a visão estratégica, para Portugal, para cada um dos restantes Estados membros e para o conjunto da União Europeia, relativamente aos próximos vinte e cinco anos». De facto, não podemos fugir ao problema, uma vez que o projecto europeu põe na ordem do dia a democracia, a partilha de soberanias, o desenvolvimento humano, a coesão económica, social e territorial, a afirmação política europeia e a consideração da paz e da justiça. Para o caso português, ERL afirma que «no mínimo será indispensável deixar uma nota básica: feita a descolonização, concretizada a adesão, consolidada a integração, assumida a ligação profunda ao processo histórico da construção europeia, a questão estratégica fundamental para Portugal, no horizonte da viragem do primeiro para o segundo quartel do século XXI é a seguinte: Portugal é capaz, ou não, de assegurar a articulação entre os quatro polos fundamentais da sua geopolítica – Portugal, Europa, Africa, Brasil?». Ao ler esta passagem lembrei longas conversas com o autor e recordei o que um dia Lorenzo Natali, comissário europeu do alargamento nos anos oitenta, afirmou: «Portugal quando entrar nas Comunidades Europeias fá-lo-á com toda a sua História e com a rede de relações geoestratégicas que foi construindo ao longo dos séculos. Se tal não acontecer, e se prevalecer a ideia de que deve acomodar-se à Europa, vista num sentido estático, então os portugueses terão um papel internacional periférico ou pouco relevante. Pelo contrário, terão de ser determinados e deverão na Europa contrariar a mediocridade e a dependência».



UM PENSAMENTO PRÓPRIO E POSITIVO
Ora, só com um pensamento próprio, com objectivos definidos e com capacidade de ter voz na cena internacional será possível ligar a História e a Europa, a democracia e o desenvolvimento. Para o professor hoje recordado: «a resposta positiva a esta questão estratégica fundamental é, hoje, tanto ou mais relevante, do ponto de vista sistémico, quanto o foi o conjunto da decisão da inserção de Portugal no processo de construção europeia no período seminal de 1974-77, da negociação da adesão (1977-85), da assinatura (1985) e entrada em vigor (1986) dos Actos de Adesão e, sobretudo, da experiência dos 25 anos desde então decorridos». Afinal, ERL recorda-nos ainda que «o papel das élites não é governar-se nem sequer orientar os assuntos do Estado em tempos de vida corrente e banal; é, acima de tudo, saber compreender as mudanças do processo histórico e ter a capacidade de conceber e concretizar novas soluções, que a História tende discretamente a exigir» («25 Anos de Integração Europeia», citado, pp. 33 e ss.). Se virmos bem, esta preocupação encontramo-la em todos os nossos pensadores que, ao longo do tempo, se têm preocupado com o lançamento de sólidas bases para o nosso futuro. Almeida Garrett considerou que apenas faria sentido pensar Portugal na balança da Europa e num contexto de afirmação mundial. Alexandre Herculano reflectiu intensamente sobre a necessidade de fazer governar o país pelo país – aproximando os cidadãos da definição dos caminhos comuns, mas sempre com a consciência de que teríamos de ser respeitados internacionalmente. Antero de Quental, com a sua geração gloriosa, procurou pôr na ordem do dia os temas da evolução e da justiça, da capacidade criadora e da responsabilidade, da fixação e da distribuição. E assim os homens das Conferências Democráticas, como muito bem tem visto Eduardo Lourenço, longe de um pessimismo sem saída, propuseram as bases críticas de uma renovação profunda da nação, que deveria ser colocada ao ritmo do desenvolvimento europeu. Basílio Teles, António Sérgio, Jaime Cortesão ou Joel Serrão contrapuseram, desse modo, a fixação e o transporte – verificando que a fragilidade ancestral portuguesa se deveu à prevalência do transporte e à dificuldade em assumir um caminho próprio, capaz de maximizar as qualidades e os valores disponíveis, centrado na capacidade inovadora e na produção de riqueza e compatível com o desenvolvimento humano. Vitorino Magalhães Godinho, ao pôr a tónica na história económica, sem esquecer a complexidade social, também nos ensinou sobre a necessidade de definir prioridades eficientes, baseadas na economia real.



UM PENSAMENTO EUROPEU MODERNO
António de Sousa Franco e Francisco Lucas Pires olharam sempre a Europa nesta perspectiva – de continuarmos o caminho histórico ancestral. Por isso, quando invocaram o exemplo do Infante D. Pedro, puseram a tónica numa exigência criadora, bem evidenciada na célebre Carta de Bruges, enviada ao Príncipe D. Duarte. Na senda de Eduardo Lourenço, e de «O Labirinto da Saudade», a imagem de Portugal como cais de regresso e de partida, num ciclo sempre renovado, conduz-nos à importância de ligar a gesta dos descobrimentos e uma vocação europeia. Daí que Eduardo Lourenço tenha afirmado, lapidarmente: «a nossa nova dimensão europeia não nos faz mais pequenos, nem outros; amplia os nossos horizontes e reforça a nossa capacidade para desempenhar neste fim de milénio (escrevia nos anos noventa) aquela vocação plenamente europeia que tão precocemente foi a nossa» (Prefácio a Francisco Lucas Pires, «O que é a Europa?», 1994). De facto, a questão europeia é crucial, é um tema de sobrevivência, e é uma opção política e cultural e não técnica. Por isso, é fundamental recusar o fatalismo do atraso, a lógica do desenvolvimento como crescimento infinito (que Morin critica severamente em “La Voie”) e a autoflagelação, de que fala oportunamente Boaventura Sousa Santos. E que nos diz o sociólogo? Que essa autoflagelação é como que «uma má consciência da passividade», não sendo fácil superá-la num contexto em que a passividade, quando não é querida, é imposta» («Portugal, Ensaio contra a Autoflagelação», Almedina, 2011).



UM ESPÍRITO DE FRONTEIRA
«Só o espírito de fronteira na Europa e no mundo da sociedade aberta – afirmava ainda F. Lucas Pires – nos permitirá enfrentar hoje, como numa aventura, a situação da periferia geográfica e histórica para a qual não temos suficientemente alternativa no mar de um universo já todo descoberto e cada vez mais finito» («O que é a Europa?», cit.). O difícil momento europeu que vivemos obriga a ligar, de novo, intensamente, democracia e desenvolvimento. A fragmentação e os egoísmos nacionais que se vão impondo têm de dar lugar a mais intervenção cívica, a mais legitimidade de exercício, a mais responsabilidade, a mais política e a mais subsidiariedade.


 


 


Guilherme d’Oliveira Martins

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