Reflexões

De 10 a 16 de Maio de 2004

Está a realizar-se a quarta edição da Festa no Chiado. São centenas de iniciativas que têm lugar sob a coordenação do Centro Nacional de Cultura. Está em causa um conceito de cidade em que a sociedade civil seja protagonista e em que se multipliquem as acções a partir de diversos pólos. Museus, teatros, galerias, comércio, livrarias, alfarrabistas, igrejas, clubes – todos se mobilizam para tornar a cidade viva.

Está a realizar-se a quarta edição da Festa no Chiado. São centenas de iniciativas que têm lugar sob a coordenação do Centro Nacional de Cultura. Está em causa um conceito de cidade em que a sociedade civil seja protagonista e em que se multipliquem as acções a partir de diversos pólos. Museus, teatros, galerias, comércio, livrarias, alfarrabistas, igrejas, clubes – todos se mobilizam para tornar a cidade viva. O Chiado de outro tempo foi um lugar de encontro e de grandes acontecimentos. Houve tertúlias de escritores e pintores, de políticos e intelectuais – na Brasileira ou no Café Chiado, na Sá da Costa e na Bertrand. O Marrare e a Havaneza fazem parte das memórias míticas… As “portas abertas” procuram revelar o que normalmente está fechado ao público – o Grémio Literário, o Círculo Eça de Queirós. Os “monumentos com música” dão a conhecer a fecundidade do diálogo entre o património e a criação. Os “encontros à esquina” transformam passeios em invocações da memória dos lugares. As exposições revelam artistas – Gracinda Candeias, Laura Cesana – ou o percurso de escritores – Ruben A., invocado no CNC, a “casa” de Sophia de Mello Breyner. O “electric paper” permite descobrir o mundo à volta da carreira “28” dos eléctricos. Eça de Queirós confunde-se com as suas personagens. Luísa e o Conselheiro Acácio estão sempre presentes, ao lado de todos os outros. Fernando Pessoa e Almada Negreiros são “habitués” – e o “Orpheu” faz parte do espírito do lugar. Aquilino, Abel Manta, Manuel Mendes, Pulido Valente renovaram o Chiado que fora de Herculano, José Fontana, de Antero e Jaime Batalha Reis… Quando o pavoroso incêndio destruiu o Chiado, no fim da década de oitenta, houve quem julgasse que não haveria salvação possível. Tudo acabara. Felizmente, o Chiado voltou à vida. Os jovens voltaram a este lugar mágico. A história está-se a renovar e a actualizar. Os novos escritores, os novos artistas, os jovens músicos estão a transformar o Chiado na sua capital dentro da capital. Mas há uma lição a tirar. A cidade precisa das pessoas e das suas iniciativas. É preciso romper com a ideia de que a cidade é de alguns, ou de uma burocracia, de um grupo, ou de uma parcela. A lógica populista, que vai surgindo, tenta fazer-nos crer que tudo pode depender da vontade de alguém ou do impulso de um qualquer intérprete messiânico. A cidade pode tornar-se acolhedora, se todos sentirem que a sua voz e as suas iniciativas podem marcar e melhorar a vida de todos. Eis porque é indispensável fazer do espírito crítico uma marca positiva. É preciso que muitos digam o que pensam e apontem o que não está bem e o que deve ser melhorado. E se há um mecanismo de “alerta”, que se saiba, com rigor, quais os resultados – quem colaborou, quem interveio e que consequências práticas se obtiveram. Urge multiplicar os foros de alerta e de debate e saber como é possível tornarmos a cidade mais hospitaleira e mais nossa.

Guilherme d`Oliveira Martins

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