Como habitualmente o Centro Nacional de Cultura escolheu 15 livros de entre os que consideramos valerem a pena.
A lista não é exaustiva e a ordem é aleatória.
Boas leituras para todos.
Pessoa. Uma Biografia
Richard Zenith
Quetzal
Fernando Pessoa é, a par de Luís de Camões, o maior poeta português. E é uma das figuras proeminentes do modernismo europeu, juntamente com escritores como Kafka, Joyce e Proust. O seu vastíssimo legado – da poesia, drama e ficção ao artigo de opinião e escrita mediúnica, cruzando e aprofundando inúmeros domínios do conhecimento (da literatura à religião, passando pela história, a filosofia, a astrologia e tantos outros) – tem vindo a ser progressivamente conhecido pelos leitores portugueses e de todo o mundo.
Porém, o homem por detrás da extraordinária multiplicidade de vozes (os heterónimos e dezenas de outros autores ficcionais), e de uma das obras literárias mais complexas e ricas de todos os tempos, é quase um desconhecido. João Gaspar Simões, com a publicação da sua biografia em 1950, teve o grande mérito de reconhecer a importância de Fernando Pessoa numa altura em que o poeta ainda não era justamente apreciado. Mas a obra não se baseou numa pesquisa mais aprofundada e desde há muitos anos que se sentia a falta de uma obra biográfica de referência.
PESSOA: A BIOGRAPHY, do autor norte-americano naturalizado português Richard Zenith, publicado nos EUA e na Grã-Bretanha em 2021 e que agora se publica em Portugal, vem suprir definitivamente essa lacuna.
O Tamanho do Mundo
António Lobo Antunes
Dom Quixote
Por entre os estalos dos móveis da sua casa em Lisboa, um idoso observa o outro lado do Tejo enquanto se perde nas memórias sobre uma cave e um pequeno jardim com um baloiço.
Independentemente de ter acabado por se tornar presidente de uma grande empresa, o sucesso jamais debelou a perda daquele tempo, acorrendo repetidas vezes ao local e imaginando que as pequenas coisas e as personagens (mais significativas, como a filha, ou mais casuais, como uma senhora que passa com um carrinho das compras) se mantêm intactas, tal qual um tempo impoluto.
Evangelhos Apócrifos -Gregos e Latinos
Frederico Lourenço
Quetzal
A par dos evangelhos canónicos, existem outros (combatidos a partir do século IV e excluídos no século XVI) que mostram a figura e as ideias de Jesus Cristo sob um prisma muito diferente.
Antes da imposição de uma doutrina única no século iv, o cristianismo caracterizou-se pela diversidade de pensamento. A par dos evangelhos tornados canónicos, circulavam também outros, atribuídos a nomes como Pedro, Tomé e Filipe, que davam a ver a figura de Jesus Cristo sob prismas diferenciados. O Evangelho de Pedro emprega uma palavra que nunca ocorre nos evangelhos canónicos: «discípula». No único evangelho cuja autoria é atribuída a uma mulher (o Evangelho de Maria), a pessoa a quem Jesus confia a sua doutrina não é Pedro nem João, mas sim Maria Madalena. Muitos destes textos permaneceram desconhecidos até à segunda metade do século xx e o seu conteúdo ainda suscita controvérsia. No entanto, os evangelhos apócrifos constituem um estímulo para repensarmos, hoje, o cristianismo de forma menos dogmática e com mais espírito de inclusão.
A finalidade deste livro é dar a ler o material greco-latino em edição bilingue, com um comentário crítico-histórico tão imparcial quanto possível, trazendo esses textos de regresso em toda a sua plenitude, traduzidos das suas fontes originais.
Evangelhos de Tiago, Tomé, Filipe, Maria, Pseudo-Mateus, Pedro, Nicodemos, Natividade de Maria, Relatos da Paixão de Cristo, Narrativa de José de Arimateia, Evangelho dos Egípcios, Místico de Marcos, Evangelho copta de Maria, Relatório de Pilatos, Descida de Cristo aos Infernos, Evangelho de José o Carpinteiro, etc.
Ensaios, Vol. I
Michel de Montaigne
E-primatur
A primeira tradução integral portuguesa daquela que é considerada uma obra fundamental do pensamento e cultura universais.
Escritos entre 1570 e 1592, os Ensaios de Montaigne partem de um propósito identificado pelo seu autor logo no primeiro volume (publicado originalmente em 1580): «registar alguns traços do meu carácter e dos meus humores». O resultado? Provavelmente, um dos mais importantes conjuntos de textos filosóficos de todos os tempos. Esta análise de si mesmo é uma análise do ser humano em geral, e como Montaigne traçou o paralelo entre aquilo que analisava e os mesmos «traços de carácter e humores» descritos pelos autores clássicos, na realidade a obra resulta numa reflexão sempre profunda e lúcida daquilo que une os Homens de todos os tempos.
(Eis alguns exemplos de títulos de ensaios de Montaigne: Da doença, Dos mentirosos, Da solidão, Da amizade, Dos canibais, Dos livros, Da vaidade, Dos cheiros, etc., etc.)
Os Ensaios tornaram-se uma das obras que mais influenciaram a literatura e a filosofia desde a sua publicação. Vários estudiosos apontaram, por exemplo, os paralelos entre os temas de Montaigne e a sua abordagem nas obras de Shakespeare.
Esta será a primeira edição integral feita em Portugal, a publicar em três volumes (um por ano: 2022, 2023 e 2024). Esta edição inclui um prefácio do Prémio Nobel de Literatura, André Gide. A tradução está a cargo de Hugo Barros, tradutor premiado de Rousseau, Ricoeur ou Emerson.
Esta edição conta com um apoio especial da Fundação Calouste Gulbenkian.
Apoteose dos Mártires
Mário Cláudio
Dom Quixote
Em 1638, e já no ocaso do Império Português, Tomás Rodrigues da Cunha, pequeno fidalgo e militar, natural do Minho, e Pierre Berthelot, piloto-mor e cosmógrafo, oriundo da Normandia, rumaram à Ilha de Sumatra no Índico. Integravam a embaixada que se propunha firmar um tratado de aliança com o sultão de Achém e, sendo os dois na ocasião carmelitas descalços do convento de Goa, movia-os esse espírito insólito, de entrega e sacrifício, inspirador dos mártires de todas as épocas.
As aventuras que viveram, nas quais o amor profano nem sempre se distinguiria do sagrado, constituem verso e reverso de uma só medalha, cunhada na miséria da guerra, na exaltação da alma, e na partilha da Terra. Como outros, de ontem, de hoje e amanhã, apostaram na glória da condição humana, tornando-se dignos do festejo do sangue generosamente derramado.
Quanto ao luminoso trajecto que executaram, e que nenhum livro até agora descreveu, o presente autor acredita que nestas páginas ficarão o comovido tributo, e o registo possível.
Misericórdia
Lídia Jorge
Dom Quixote
A história que a mãe de Lídia Jorge lhe pediu que escrevesse.
Misericórdia é um dos livros mais audaciosos da literatura portuguesa dos últimos tempos. Como a autora consegue que ele seja ao mesmo tempo brutal e esperançoso, irónico e amável, misto de choro e riso, é uma verdadeira proeza.
Não são necessárias muitas palavras para apresentá-lo – o diário do último ano de vida de uma mulher incorpora no seu relato o fulgor das existências cruzadas num ambiente concentracionário, e transforma-se no testemunho admirável da condição humana.
Isso acontece porque o milagre da literatura está presente. Nos tempos que correm, depois do enfrentamento global de provas tão decisivas para a Humanidade, esperávamos por um livro assim. Lídia Jorge escreveu-o.
Mocidade Portuguesa
Jorge Calado
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
«O que é isto? O retrato de um estilo de vida esquecido; o passado contado por um jovem que aprendeu a treinar a memória e que cresceu relacionando as ciências com as artes. Não é uma biografia, nem um livro de memórias, muito menos um ensaio de pendor social, embora partilhe aspetos com todos estes géneros. A história começa numa casa em Lisboa, percorre o bairro, atravessa a cidade, espalha se pelo país, para acabar em Oxford, no Reino Unido. Uma viagem no tempo, física e mental, ao longo de trinta anos, balizada por livros, bichos, filmes e óperas, sem respeitar as unidades aristotélicas de espaço, tempo e ação. A mente como museu de memórias cujo conteúdo é imperioso estudar, conservar e divulgar. Um fluxo de consciência onde tudo está relacionado com tudo o resto, formando um objeto redondo, sem princípio nem fim. Organizada em três secções Casa, Cidade, Mundo esta Mocidade Portuguesa debruça se sobre o azul (a cor da paz e da liberdade), aprende com Shakespeare (que nos legou o mais completo retrato da espécie humana) e descobre em Oxford como repartir o entusiasmo entre o trabalho e a vida.»
in contracapa
O Lugar do Anjo – Crítica Pessoana II
11.º volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço / (1983-2017)
Org. Pedro Sepúlveda
Fundação Calouste Gulbenkian
Do reconhecimento do caráter libertador da palavra poética depende para Eduardo Lourenço um entendimento do crítico enquanto leitor passional. Este leitor recusa o gesto de julgar a obra a partir de uma instância superior, procurando acolher os seus ensinamentos, dar conta do seu movimento interno, iluminar o seu significado. Concebendo o papel singular da poesia, na esteira de Heidegger, como leitura privilegiada do mundo e aproximação à sua essência, caberá ao ensaísta ampliar o sentido dessa aproximação. O movimento de ampliação, em que o discurso crítico se apresenta como prolongamento da obra, implica a ideia de renovar permanentemente os seus pontos de partida.
[…] A aproximação ensaística à poesia, num movimento hermenêutico de escrita passional, não só não recusa como pressupõe mesmo um intenso e polémico diálogo com outras propostas de leitura crítica. Assumindo como evidência a ideia de que é o próprio comentário crítico que prolonga a obra, o ensaísmo lourenciano nasce precisamente deste diálogo, não surpreendendo por isso que os primeiros ensaios pessoanos escritos e publicados se debrucem principalmente sobre a crítica e não tanto sobre a obra em si. Trata-se, nesses primeiros ensaios, de denunciar certos excessos dogmáticos de alguns dos principais críticos, que teriam reduzido a estranheza de uma obra cuja singularidade era necessário preservar, mas também de ler atentamente os críticos e encontrar modos de integrar certas perspetivas, ainda que transfiguradas, nas suas próprias leituras.
[…] Todos os ensaios aqui reunidos são posteriores à publicação da primeira edição abrangente do Livro do Desassossego, em junho de 1982, cujo impacto resultou numa importante mudança de perspetiva nas leituras lourencianas, assinalada e comentada pelo autor. Esta mudança demonstra a capacidade do ensaísta de rever os seus pressupostos de leitura, em linha com a proposta de uma osmose entre a crítica e o seu objeto.
(Da introdução de Pedro Sepúlveda)
Roteiro Afetivo de Palavras Perdidas
António Mega Ferreira
Tinta da China
Inventário pessoal da língua, da vida e da memória
Um livro muito íntimo de António Mega Ferreira
Que mistério envolve o envelhecimento e a obsolescência das palavras? Porque caem em desuso termos como trampolineiro, infernizar e larápio, mesmo quando as realidades que nomeiam se mantêm presentes, ainda que sob outras formas?
Com a sua estrutura fragmentária, embora alfabeticamente ordenada, este Roteiro Afetivo de Palavras Perdidas resgata algumas experiências (verbais e vitais), contribuindo para a arqueologia mental de uma geração lisboeta, a que nasceu em torno do ponto médio do século XX.
Sem pretensões lexicográficas, este é um exercício de introspecção e de memória que transporta o leitor para viagens, episódios de infância, livros, sortidos finos, grandes lanches na casa da tia Lídia e um certo Portugal. É apenas um livro, que não substitui nenhuma experiência vivida, a não ser porque é vivido por dentro da cabeça.
Paisagem Portuguesa
Duarte Belo e Álvaro Domingues
Fundação Francisco Manuel dos Santos
De Guadramil à praia do Telheiro, de Barrancos ao Corvo, que itinerários podemos seguir? Que paisagens encontramos? Procurámos elementos estruturais do território português, mas também a celeridade das transformações atuais. Sobrepusemos uma quadrícula ao mapa de Portugal e a cada um dos retângulos atribuímos uma fotografia. São 141 imagens e outros tantos textos em demanda de uma identidade tantas vezes convocada, mas afinal esquiva, multiplicada por muitos imaginários, acontecimentos e ficções. O país é pequeno, antigo e feito de uma única nação. A unidade é um engano ou não seja a serra do Gerês um dos pontos de maior pluviosidade da Europa e a margem esquerda do Guadiana o mais árido. Da gente temos notícias das misturas que houve, no passado, como hoje, os que chegam e os que emigram. A geografia e o tempo vão deixando um mosaico de registos, ora acentuando permanências que se perdem no tempo geológico e na raiz de tradições antigas, ora surpreendendo-nos com novidades do mundo global, muito para além da Taprobana.
Elogio da Descrença
António Vieira
Companhia das Ilhas
«Estes fragmentos exprimem, sucessivamente, a descrença na linguagem, no género Homo, nos deuses, nas essências, na liberdade e na história, e culminam no reconhecimento e na celebração de um Jogo do mundo como dinamismo de fundo original. Provêm de notas escritas ao longo de duas décadas. Trata-se quase sempre de estilhaços de escrita, ecos eles próprios de estilhaços de pensamento. Um tal viveiro de anotações dispersas obrigou à sua decifração, transcrição, ordenação e aclaramento, e o material por fim obtido, contendo breves momentos de ficção por entre elementos de reflexão, foi dividido em doze núcleos temáticos. Os capítulos resultantes, subdivididos eles próprios em segmentos, articulam-se por forma a que um fio discursivo guie os blocos de texto, dando-lhes unidade e extraindo da sua sequência o projecto de um livro. a sucessão de interrogações, asserções e comentários encadeados configura uma maneira de olhar o mundo e de estar no mundo, guiada pela ideia da fenomenologia.»
– António Vieira
O Fascismo Nunca Existiu
Eduardo Lourenço
Gradiva
«À Democracia cumpre pensar‑se como a estrutura mais adequada para que no seu seio se realizem progressivamente as condições de libertação dos indivíduos. A Democracia não tem outro conteúdo que esse mesmo de promover essas condições. Ela não pode ser definida como regime da liberdade senão na medida em que se dá como fim a coexistência e a promoção de todas as formas de liberdade de uma dada sociedade. Por isso mesmo se pode dizer que a Democracia é o único regime que não tem liberdade própria. Ela é prisioneira do mais alto dever de não ter outra que a dos cidadãos. Aparentemente nada mais absurdo.»
Firmamento
Rui Lage
Assírio e Alvim
Colocando-nos frente a frente com a imensidão do cosmos, Firmamento é o mais recente livro de poesia de Rui Lage, onde a meditação cósmica e o nascimento se cruzam na prosódia do verso terrestre.
Sol, já não me escondo de ti.
Agora renovo, ciclicamente.
Com a tua luz cresço
e decresço. Invisível começo,
oculta nos palácios inferiores.
Fio noite dentro
com as minhas irmãs.
Depois subo. Apareço.
Saio pela dança.
Memória da Memória
Maria Stepánova
Relógio D’Água
Com a morte da sua tia, a narradora pôde examinar com todo o cuidado o seu apartamento, repleto de fotografias desbotadas, velhos postais, cartas, diários, pilhas de souvenirs, o repositório de um século de vida na Rússia. Carinhosamente reunidos, com calma e mãos cuidadosas, esses objectos contam-nos a história de como uma vulgar família judia sobreviveu às numerosas perseguições e repressões do último século.
Em diálogo com escritores como Barthes, Sebald, Sontag e Mandelstam, Memória da Memória recorre aos mais diversos géneros, ensaio, ficção, memória, documentos históricos. Maria Stepánova compõe assim um vasto panorama de ideias e personalidades.
O Meu Corpo Humano
Maria do Rosário Pedreira
Quetzal
A arquitetura de o meu corpo humano liga cada uma das emoções, memórias e sensações a uma parte do corpo ou a determinados órgãos: da cabeça aos rins e aos tornozelos, dos olhos às mãos e ao coração, há sempre uma relação entre as partes do corpo – e o sofrimento que habita a nossa vida, a nossa memória e as marcas que deixamos ao passar.
Depois de uma demorada interrupção na sua produção poética, Maria do Rosário Pedreira regressa com um livro cheio de beleza e iluminação, como uma aula de anatomia que procura os segredos de cada recordação.
«É o meu corpo // humano: vê, ouve, / toca, pensa e // dói-lhe. // Volto porque / preciso muito / que me amem.»