Com a morte inesperada de Javier Marías a literatura mundial perde uma figura maior, um genial romancista que constitui um exemplo do nosso tempo.
Filho do filósofo Julian Marías, que bem conhecia Portugal, onde esteve com Ortega y Gasset, Javier tinha uma relação de proximidade com Portugal, que era correspondida pelos leitores portugueses.
Amigo de António Tabucchi, essa relação contribuiu para reforçar a ligação com a cultura da língua portuguesa.
Javier Marías (Madrid, 20 de setembro de 1951 – Madrid, 11 de setembro de 2022) é um marco maior da literatura contemporânea. Escreveu romances, ensaios, livros de contos, muitos publicados em Portugal pela Alfaguara: Tomás Nevinson, Berta Isla (Prémio da Crítica), Assim começa o mal, Os enamoramentos (Prémio Giuseppe Tomasi di Lampedusa; Prémio Qué Leer), Coração tão branco (Prémio da Crítica; Prix l’Oeil et la Letre; IMPAC Dublin Literary Award), Amanhã na batalha pensa em mim (Prémio Fastenrath; Prémio Rómulo Galegos; Prix Fémina Étranger), Todas as almas, a trilogia O teu rosto amanhã e o volume de contos Não mais amores. Pelo conjunto da sua obra, recebeu vários prémios e distinções: Prémio Nelly Sachs (Dortmund, 1997); Prémio Comunidad de Madrid (1998); Prémio Grinzane Cavour (Turim, 2000); Prémio Alberto Moravia (Roma, 2000); Prémio Alessio (Turim, 2008), Prémio José Donoso (Chile, 2008); The America Award (2010) Prémio Nonino (Udine, 2011); Prémio Literário Europeu (2011); Prix Formentor (2013); Prémio Boattari Lattes Grinzane (2015); Premio Liber (2017). Entre as traduções de sua autoria, destaca-se Tristram Shandy (Prémio Nacional de Tradução em Espanha, 1979). Foi professor na Universidade de Oxford e na Universidade Complutense de Madrid. Foi membro da Real Academia Espanhola. A obra de Marías encontra-se publicada em 46 idiomas e 59 países, com cerca de nove milhões de exemplares vendidos em todo o mundo.
Numa reunião de artigos de opinião intitulado “Quando os tontos mandam” afirmou: «Pode fazer-se alguma coisa num mundo em que contamos com gravações, com som e imagens, com máquinas calculadoras mais fiáveis do que nunca, e tudo isto é refutado com desfaçatez? Estaremos amodorrados, hipnotizados ou simplesmente idiotizados para acreditarmos mais em quem distorce a realidade do que nos nossos olhos e ouvidos, e até do que na aritmética?»
Claudio Magris afirmou sobre um dos seus romances mais celebrados – Berta Isla: «Marás é um extraordinário narrador, um dos grandes, no sentido mais absoluto. Berta Isla é uma obra-prima. Marías é um mestre na arte de misturar quotidiano e paixão, mistério e banalidade, segredo e insinuação. Um dos seus grandes temas é o casamento, território em que se encontram e entrecruzam o amor e o desamor, a proximidade e a ausência, o segredo e a entrega.» Lembremo-nos do enredo: Berta Isla casou com Tomás pensando que o conhecia desde sempre mas, na realidade, não sabia nada verdadeiramente importante sobre ele. Tomás escondia-lhe algo que não podia partilhar com ninguém, nem mesmo com ela. Berta Isla é a história de um homem que quer intervir na História, acabando desterrado do mundo. É a história de uma mulher que espera por uma vida completa e, nessa espera, se transforma. É sobretudo uma história da fragilidade e tenacidade de uma relação condenada ao segredo, ao fingimento, ao desencontro; uma história de amor em que lealdade e ressentimento se entrelaçam.