Reflexões

De 1 a 7 de Março de 2004

A pátria é a língua. Dói, por isso, ver os maus-tratos que sofre o português, um pouco por toda a parte, no dia a dia, na rádio, na televisão, nos discursos dos responsáveis. A aprendizagem da língua é um acto de cidadania. Eis porque os órgãos de comunicação social devem ajudar numa campanha cívica pelo bom uso da língua…

A pátria é a língua. Dói, por isso, ver os maus-tratos que sofre o português, um pouco por toda a parte, no dia a dia, na rádio, na televisão, nos discursos dos responsáveis. A aprendizagem da língua é um acto de cidadania. Eis porque os órgãos de comunicação social devem ajudar numa campanha cívica pelo bom uso da língua. Falar bem, escrever bem é fazer-se compreender, é respeitar os outros – é cuidar das ideias claras e distintas. Portugal tinha há trinta anos um quarto da população analfabeta, agora ainda se ressente desse terrível facto. Hoje, as coisas mudaram radicalmente. Os analfabetos literais correspondem ainda a nove por cento da população, mas concentram-se nas idades mais elevadas. Todos os jovens com quinze anos de idade estão nas escolas. Impõe-se, porém, concentrar os esforços de todos – a começar nas famílias e a continuar na acção dos educadores e dos professores – no redobrar da exigência em relação ao falar bem e ao escrever bem. Que a educação de massas não prejudique a qualidade. Eis porque temos de encontrar um caminho inteligente que nos permita ter mais eficácia no novo tempo. O limiar de exigência deve ser elevado. É a nossa identidade como povo que está em causa. Dê-se exemplo do que não deve ser dito. Indique-se o uso correcto das palavras e da sintaxe. Perceba-se, por exemplo, que o verbo intervir se conjuga exactamente como o verbo vir (intervim, interveio, intervieram). Entenda-se que o plural de acordo é acordos, com o fechado. Distinga-se “descriminar” e “discriminar”, ou “cozer” e “coser”, ou ainda “obsessão” e “obcecação”. Diga-se “eu penso que”, mas “eu não me esqueço de que”… Não se semeie vírgulas a torto e a direito nas frases, separando sujeito e predicado ou tornando incompreensíveis as ideias que se pretende exprimir. Dir-se-á que a língua portuguesa é difícil e, por vezes, traiçoeira. É verdade, e no melhor pano cai a nódoa. Por isso mesmo, devemos ser muito cuidadosos e exigentes – desde as primeiras palavras. E só há duas maneiras de promover o bem falar e o bem escrever: lendo, estudando e suscitando o gosto pela leitura; mas também procurando falar simples e claro, de modo que se entenda o que cada um diz. Recorra-se a bons autores, a bons dicionários e as boas gramáticas. Sempre que há dúvidas, procure-se a palavra e a formulação correctas. Na escrita, faça-se sempre a revisão, de preferência em voz alta. Como em tudo, o que interessa são os bons exemplos. E se falámos na literacia, como uso correcto da língua, falemos igualmente na numeracia, como uso correcto dos números. Exprimamo-nos sempre de modo que nos entendam. Arrumemos as ideias, os modos de calcular, a ordem do raciocínio, o sentido do discurso. Como disse o Padre Vieira, imperador da nossa língua: “as leis não são boas porque se mandam, senão porque bem se guardam”…

Guilherme d`Oliveira Martins

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