A Vida dos Livros

A VIDA DOS LIVROS

Edgar Morin (1921) publicou em 1997 “Uma Política de Civilização” (Instituto Piaget, s.d.), com Samir Naïr, onde os dois autores se interrogam sobre o futuro indecifrável em que estão lançadas as sociedades contemporâneas. Com a crise da ideia de progresso, nasce a incapacidade de reflectir sobre os problemas globais e locais, enquanto ocorrem tendências para a intolerância e o fanatismo. Para os pensadores, é indispensável mudar de rumo, redefinir a vida em comum e elaborar o que designam como “política de civilização”, considerando-a como um renascimento que reponha o ser humano, a pessoa, como meio, fim, sujeito e objecto da política.

A VIDA DOS LIVROS
de 25 a 31 de Janeiro de 2010


Edgar Morin (1921) publicou em 1997 “Uma Política de Civilização” (Instituto Piaget, s.d.), com Samir Naïr, onde os dois autores se interrogam sobre o futuro indecifrável em que estão lançadas as sociedades contemporâneas. Com a crise da ideia de progresso, nasce a incapacidade de reflectir sobre os problemas globais e locais, enquanto ocorrem tendências para a intolerância e o fanatismo. Para os pensadores, é indispensável mudar de rumo, redefinir a vida em comum e elaborar o que designam como “política de civilização”, considerando-a como um renascimento que reponha o ser humano, a pessoa, como meio, fim, sujeito e objecto da política.



EM BUSCA DOS FUNDAMENTOS…
Os temas do livro correspondem às tarefas fundamentais exigidas ao mundo contemporâneo: a busca dos fundamentos perdidos; a relação entre a mundialização, o liberalismo e as novas oportunidades lançadas pela inovação e pelo desenvolvimento, bem como a consideração da incerteza democrática e da ética política. Daí dizer Edgar Morin: “tal como é necessário estabelecer uma comunicação viva e permanente entre passado, presente e futuro, também é preciso estabelecer uma comunicação viva e permanente entre as singularidades culturais, étnicas, nacionais e o universo concreto de uma Terra pátria de todos”. Por isso, as finalidades propostas pelos autores tornam-se urgências: salvar o planeta do desenvolvimento técnico-económico e do nosso subdesenvolvimento moral e mental; regular e controlar os processos de transformação; reflectir e reformular o desenvolvimento humano, respeitando a diversidade das culturas; e last but not least repensar, instaurar, restaurar e regenerar a democracia. Numa palavra, importa civilizar a terra, solidarizar, confederar a humanidade, no respeito pelas culturas e pelas pátrias, e transformar a espécie humana em humanidade. E como E. Morin afirmou no seu livro célebre “La Méthode”: «temos de compreender que a revolução dos nossos dias joga-se não tanto no terreno das ideias boas e verdadeiras, opostas numa luta de vida ou de morte às ideias más e falsas, mas no terreno da complexidade do modo de organização das ideias». Daí a necessidade de uma política de civilização, que pretende ser uma política multidimensional na qual todos os problemas humanos têm hoje um dimensão política. E essa política deve ter como imperativos: solidarizar (contra a atomização e a compartimentação); revitalizar (contra o anonimato); conviver (contra a degradação da qualidade de vida) e moralizar (contra a irresponsabilidade e o egocentrismo). Num texto recente, publicado no “Le Monde” (11.1.2010; El Pais, 17.1.2010), Edgar Morin foi mais além do que tinha ido anteriormente e retomou o tema, desenvolvendo-o à luz dos acontecimentos recentes. Aí refere que “para evitar a desintegração do ‘sistema Terra’ é urgente mudar os modos de pensar e de vida”. O título da reflexão é, significativamente, “Éloge de la métamorphose”, e a proposta é de uma profunda transformação geral, para encontrar novas razões de esperança. Mais do que a “revolução”, trata-se de apostar em algo mais fundo e duradouro, que designa por “metamorfose”.


ELOGIO DA METAMORFOSE
“Quando um sistema é incapaz de tratar os seus problemas vitais, degrada-se, desintegra-se, ou então é capaz de suscitar um meta-sistema para tratar dos seus problemas, metamorfoseando-se”. A verdade é que há sinais de alarme – perigos nucleares, degradação da biosfera, desregulação da economia mundial, regresso das fomes, conflitos étnicos, políticos e religiosos, que podem transformar-se em guerras de civilizações… Estamos, por isso, confrontados com um perigo real de fragmentação e de desintegração, que Morin considera provável. Assim, a hipótese da metamorfose torna-se improvável, mas possível. A natureza está cheia de exemplos de metamorfoses – a lagarta encerra-se na crisálida, num processo de auto-reconstrução; e o nascimento da vida pode ser encarado como a metamorfose de uma organização físico-química. A formação das sociedades históricas no Médio Oriente, na Índia e na China, no México e no Peru fez-se por metamorfose, a partir das organizações arcaicas, que produziram as cidades, o Estado, as classes sociais, a especialização do trabalho, as religiões, a arquitectura, as artes, a literatura e a filosofia – e também a escravatura e as guerras. No século XXI, a evolução das sociedades históricas para uma “sociedade-mundo” prenuncia o perigo da destruição da humanidade. Francis Fukuyama fala mesmo, dialecticamente, de um esgotamento das capacidades criadoras da evolução humana, mas Edgar Morin contrapõe que devemos pensar que, ao invés, é a história que se esgota, e não as capacidades criadoras da humanidade. Para o pensador francês de origem sefardita, a noção de metamorfose é muito mais rica que a de revolução, uma vez que preserva a radicalidade transformadora, mas liga-a à conservação, da vida e da herança das culturas. Sendo impossível travar a tendência que conduz aos desastres, devemos pensar que as grandes transformações começam com uma inovação, uma nova mensagem desviante, marginal, modesta, tantas vezes invisível… Não foi assim com as novas religiões ou até com o capitalismo? E na ciência, o que fizeram Galileu, Bacon e Descartes? Afinal, tudo está por repensar e por recomeçar. Importa, deste modo, aproveitar o movimento criativo que está a despertar um pouco por toda a parte. “São essas vias múltiplas que poderão desenvolver-se em conjunto, conjugando-se para formar o novo caminho, que nos conduzirão à metamorfose ainda invisível e inconcebível”. Se a consciência de que há uma Terra-pátria se afirma e consolida, é preciso que a mundialização e a desmundialização coexistam, afirmando-se esta última pela proximidade, pela ruralidade periurbana ou pelas comunidades locais e regionais. Já no tocante ao crescimento e ao decrescimento, é preciso fazer crescer os serviços, as energias verdes, os transportes públicos, a economia plural (incluindo a economia social e solidária), os alojamentos humanizados das megapólis e a agricultura biológica, mas também fazer decrescer as intoxicações consumistas, a alimentação industrializada, a produção de objectos não recicláveis, o tráfego automóvel e a camionagem (em benefício do caminho de ferro). Quanto ao binómio desenvolvimento / envolvimento, Morin chama a atenção para ir além dos bens materiais, da eficácia, da rentabilidade e do calculável, devendo haver o regresso de cada um às suas necessidades interiores, à vida interior e ao primado da compreensão do outro, do amor e da amizade. E mais do que denunciar é preciso enunciar.


CINCO PRINCÍPIOS DE ESPERANÇA
Edgar Morin formula cinco princípios de esperança: (a) o surgimento do improvável; (b) as virtudes geratrizes e criadoras inerentes à humanidade; (c) as virtudes da crise; (d) a combinação com as virtudes do perigo; (e) a aspiração multimilenar da humanidade à harmonia. O autor de “La Méthode” começa por recordar que foi a resistência de Atenas ao poderio persa que criou condições para que a democracia começasse a dar os primeiros passos e se implantasse e lembra ainda a reviravolta da 2ª Guerra aquando da ofensiva alemã diante de Moscovo, que parecia invencível. O improvável pode surgir e tem de ser aproveitado pela humanidade. Por outro lado, se no corpo humano há células mãe dotadas de aptidões polivalentes, também na sociedade humana há virtudes regeneradoras, geratrizes e criadoras que, embora adormecidas, podem entrar em acção. “Onde cresce o perigo, cresce também o que salva”, a oportunidade máxima é inseparável do risco supremo – assim o pensador aponta no sentido de não se dever aceitar qualquer posição conformista ou fatalista. Por fim, recorda as generosas aspirações da humanidade, desde que existe, afirmando que elas renascem periodicamente, alimentando os caminhos reformadores e as transformações necessárias. Nesta linha, urge renovar a esperança e retomar as causas e os ideais, que parecem ter-se desvanecido nas últimas décadas. E o certo é que, aqui e agora, trata-se de salvar a humanidade profundamente ameaçada. “A esperança verdadeira sabe que não é certeza. Trata-se da esperança não no melhor dos mundos, mas num mundo melhor. A origem está diante de nós, como dizia Heidegger. A metamorfose será efectivamente uma nova origem”.


Guilherme d’Oliveira Martins



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