O PROFESSOR LUÍS DE SOUSA REBELO, HUMANISTA RARO PARA O NOSSO TEMPO, FALECEU
LUÍS DE SOUSA REBELO (1922-2010), figura de primeira grandeza da cultura portuguesa, com prestigiado reconhecimento internacional, insigne humanista, camonista, lusitanista, classicista, investigador, ensaísta, tradutor, professor, homem de cultura irradiante e dialogante, scholar de primeira água do King’s College de Londres, faleceu em 19 de Janeiro. O corpo estará em câmara ardente na Igreja de São João e São Pedro, em São João do Estoril, na 5ª feira, 21 de Janeiro, das 17h30m às 23h e na 6ª feira, 22 de Janeiro, a partir das 11h até à hora do funeral que partirá às 14h para o Cemitério do Alto de São João, onde a cremação terá lugar às 16 horas.
Luís de Sousa Rebelo nasceu em Lisboa, na freguesia de Santa Cruz do Castelo, em 4 de Março de 1922. Fez os seus estudos secundários no Liceu Camões e no Colégio Moderno. Licenciado em Filologia Clássica pela Faculdade de Letras de Lisboa (1946), foi Leitor na Universidade de Liverpool onde obteve, em 1950, o grau de Master of Arts. De 1947 a 2009, Luís de Sousa Rebelo esteve radicado em Inglaterra. Tinha regressado definitivamente a Portugal em finais de Julho de 2009. Foi Leitor de Estudos Portugueses na Universidade de Liverpool (1948-1954), Leitor de Português no Trinity College de Dublin (1952-1953). Interrompeu a sua estadia em Inglaterra apenas por dois anos, como assistente temporário da Universidade de Coimbra e para fazer o exame de Estado, em 1956.
De 1956 a 2004 foi um notável scholar de Estudos Portugueses, no King’s College da Universidade de Londres, tendo sido convidado pelo Instituto de Alta Cultura, em 1956, para colaborar com o Professor Charles Boxer, na mesma instituição. A colaboração com o Professor Charles Boxer levou-o ao contacto com grandes figuras da cultura portuguesa, estrangeiras e nacionais. A sua ligação com o Warburg Institute da Universidade de Londres, para o estudo do Renascimento, e outras instituições similares aproximou-o ainda mais dos investigadores desse período. No King’s College de Londres exerceu, de 1956 a 1987, as funções de Leitor (1956), Lecturer (1957), Reader (1983), Emeritus Reader (1987) de Estudos Portugueses.
Foi convidado pelo Professor Jean Aubin para Directeur d’Études Associé da École Pratique des Hautes Études, Paris (1986).
Depois da sua jubilação (1987), continuou no King’s College como Calouste Gulbenkian Senior Fellow (1987-1992) e como Visiting Professor (Professor Catedrático Convidado)- 1993 a 2004. De 2000 a 2009 foi Conselheiro Científico do Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras de Lisboa. Foi professor de várias gerações de lusitanistas, em Inglaterra. Orientou pós-graduações e teses internacionais de doutoramento, no King’s College. Apoiou, pelo seu saber raro, erudito e dialogante, quem, vindo de Portugal, ou em Portugal, o procurava e ele aceitava generosamente ajudar, na investigação para doutoramento, em particular na área de Estudos Camonianos. Era membro da Academia das Ciências de Lisboa, desde 1978, Comendador da Ordem de Santiago de Espada (1993), Doutor Honoris Causa da Universidade de Lisboa (2002) e Fellow of King’s College London (2003), a distinção mais alta que o King’s College pode atribuir.
A vasta obra de Luís de Sousa Rebelo está publicada desde 1945, como ensaísta e investigador, em inúmeros dicionários, enciclopédias, revistas nacionais e internacionais, livros e volumes colectivos; como prefaciador de obras literárias; desde 1946, como tradutor de obras de Theodor Storm, William Faulkner, William Golding, William Shakespeare, entre outros; como autor de livros de que se destacam A Tradição Clássica na Literatura Portuguesa (Livros Horizonte, 1982) – Prémio Pen Club Português – , obra de referência na área dos Estudos Clássicos e da Literatura Portuguesa; Camões e o pensamento filosófico do seu tempo (Lisboa, Prelo, 1979), A Concepção do poder em Fernão Lopes (Livros Horizonte, 1982), Shakespeare para o nosso tempo (reedição Lisboa, Vega, 2004).
Foram publicados dois volumes de homenagem a Luís de Sousa Rebelo, um em Londres, em 1992 – Studies in Portuguese Literature and History in Honour of Luís de Sousa Rebelo, edited by Helder Macedo, com uma nota introdutória por Eugénio Lisboa, London, Tamesis Books Limited – e outro em Lisboa, em 2004 – Humanismo para o nosso tempo – Estudos de Homenagem a Luís de Sousa Rebelo – editados por Aires A. Nascimento, Helena C. Langrouva, José V. De Pina Martins e Thomas F. Earle, Lisboa, edição patrocinada pela Fundação Calouste Gulbenkian (APPACDM – Av. Da Liberdade, 134, 6º Esq -, Braga). Consta deste último volume uma síntese da biografia e a bibliografia completa de Luís de Sousa Rebelo, publicada até 2004. Dele extraímos o texto (pp.13-14) da proposta para o Fellowship do King’s College London (2003) que sintetiza o reconhecimento do valor de Luís de Sousa Rebelo como figura de primeira grandeza da cultura portuguesa, no plano nacional e internacional:
Professor Luís de Sousa Rebelo has devoted over half a century to the cause of scholarship on Portuguese Culture, both in his native Portugal and at King’s College London. Successive generations of students have benefited from his teaching during this time, whose exceptional erudition, accessibility and inspiration are now legendary. It says much for his qualities as a teacher that, amongst other university teachers in a number of countries, the two current incumbents of Portuguese chairs in British universities (The Camões Chair in London and the Dom João II Chair at Oxford) were both his students.
The honours already granted to Professor Rebelo attest to a prestigious public reputation in Portugal, where he was actively involved in significant cultural initiatives as early as the 1940’s, but also to his contribution to furthering inter-cultural relations and understanding at home and abroad. This being primarily through three kinds of activity: bringing English-language writers to the knowledge of the Portuguese reading public, through editions and translations; writing prefaces, introductory studies and critical analyses of works by Portuguese authors (notably Nobel prize-winner José Saramago, but many other contemporary writers and 19th and 20th century classics, too); and a prolific output in literary dictionaries, encyclopaedias, conference proceedings and learned journals in Portugal and Britain, with particular outstanding and innovative scholarship in the areas of Renaissance and pre-Renaissance culture, Humanism and the Classical Tradition.
An extraordinary modesty and quiet dedication tend to conceal from many the full extent of Professor Rebelo’s enormous scholarly achievements and contributions to the study and understanding of Portuguese culture in Portugal and in the United Kingdom, not least at King’s College London.
Luís de Sousa Rebelo deixa-nos uma obra rara de um homem raro no seu saber, generosidade e irradiação de cultura, um exemplo de meditação questionante, abrangente e dialogante sobre a cultura, sobre o homem, sobre os valores que dignificam e vivificam o homem e a vida, a literatura, a filosofia, as artes e tantos outros saberes que inesgotavelmente procurou e meditou, para generosamente transmitir a alunos, colegas e amigos. Fica na memória o homem bom, amável, afável, culto, solidário, pacífico e conciliador, de personalidade e cultura irradiante, o humanista cívico com profundo sentido de comunidade. Fica o vazio da sua partida, a perda do grande homem, do grande estudioso, do grande amigo, da sua presença que encorajou e ajudou tantos amigos e alunos durante mais de meio século, o desafio para continuar a luta pela cultura. Desapareceu um raro humanista para o nosso tempo. Ficamos todos mais pobres. A cultura portuguesa está de luto. Saibamos preservar a sua memória.
Helena Langrouva