A ideia de património vivo obriga a que a cidade seja devolvida às pessoas. Precisamos de uma cidade acolhedora e hospitaleira… Mudar a cidade tem de começar por pôr as pessoas a dizer aquilo de que gostam e de que não gostam – e a fazer os cidadãos participar na tarefa de tornar a cidade habitável. Mas, para amar a cidade, é preciso conhecê-la e vivê-la. Temo que hoje estejamos a assistir a uma história de populismo e de mera gestão do curto prazo. Basta vermos as campanhas de propaganda. Em vez de se criar um bom espírito de mobilização para que todos os lisboetas sintam a cidade como sua, assistimos constantemente ao farisaísmo. Mas, no fundo, de que precisamos? De lançar eixos estratégicos para uma capital nacional e metropolitana. De tornar vivo o centro da cidade. De alargar a noção de centro. De criar condições para que a cidade seja amiga do ambiente e do desenvolvimento sustentável. De devolver a cidade aos peões. Não basta impor o pagamento de taxas para a circulação automóvel na baixa da cidade, é fundamental tornar claro quais são os pólos de desenvolvimento e as grandes linhas de circulação. E como garantir que Lisboa seja permanentemente uma capital da cultura europeia? Lisboa é cada vez mais um porto de acolhimento de grandes cruzeiros e deverá ser cada vez mais lugar de realização de grandes certames e congressos internacionais. Não pode continuar a haver a actual passividade. Não é aceitável que os museus principais continuem a fechar à hora de almoço e que não haja um esforço sério para colocar, por exemplo, o Museu Nacional de Arte Antiga no roteiro dos museus mais visitados. É preciso haver imaginação. Por que não criar “navettes” rápidas que conduzam os visitantes aos museus de mais difícil acesso, a partir de locais de parqueamento ou dos principais hotéis? Numa capital da cultura europeia é inaceitável que os nossos mais ricos e interessantes museus tenham níveis medíocres de visitas. Temos de encetar uma autêntica campanha cívica para que a capital se torne mais europeia. O “Empório Cosmopolita” da Casa da Índia ou do diálogo entre Damião de Góis e Erasmo de Roterdão não é já só uma mera recordação histórica. A cidade do grande Aqueduto e da Passarola do Padre Gusmão terá de ser motivo de míticas peregrinações. A “Cidade das Luzes”, anunciada por Voltaire, deve reviver, como capital do Atlântico e cabeça da Europa. A cidade de Fernando Pessoa e do Orpheu, a capital de Sophia, de Alexandre O`Neill, de Rodrigues Miguéis, de David Mourão-Ferreira ou de José Cardoso Pires e do seu “Diário de Bordo” – de Bernardo Marques e de Carlos Botelho merece o melhor. Precisamos menos de propaganda populista e muito mais de uma cidade que seja acolhedora e hospitaleira, com trabalho continuado e sentido de futuro. Entretanto, como diria O`Neill: “Subamos e desçamos a Avenida, / enquanto esperamos por uma outra/ (ou pela outra) vida”.
Guilherme d`Oliveira Martins