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EVOCAÇÃO DE SOPHIA

Lançamento do livro “Evocação de Sophia”, de Alberto Vaz da Silva, no próximo dia 16 de Dezembro, às 18h30…

Lançamento livro “Evocação de Sophia”


No próximo dia 16 de Dezembro, pelas 18.30, terá lugar na Galeria Fernando Pessoa do CNC o lançamento do livro “Evocação de Sophia”, de Alberto Vaz da Silva, com prefácio de Maria Velho da Costa e posfácio de José Tolentino de Mendonça.


A obra será apresentada pelo Presidente do CNC, Dr. Guillerme d’Oliveira Martins e pela filha da poetisa, Maria Sousa Tavares.






SOPHIA DE MELLO BREYNER


por Guilherme d’Oliveira Martins


“Ele enviará os Seus anjos e reunirá os Seus eleitos…”
Mc. 13, 27.


Sophia de Mello Breyner Andresen teria feito 90 anos a 6 de Novembro. Vou ao acaso à estante e tomo em mãos “Geografia” (Ática, 1967). É uma obra referencial, que abre significativamente com uma citação de Novalis – “A poesia é o autentico real / Absoluto. Isto é o cerne da / Minha filosofia. / Quanto mais poético, mais verdadeiro”.


“A beleza da ânfora de barro pálido é tão evidente, tão certa que não pode ser descrita. Mas eu sei que a palavra beleza não é nada, sei que a beleza não existe em si mas apenas o rosto, a forma, o sinal duma verdade da qual ela não pode ser separada. Não falo duma beleza estética, mas sim duma beleza poética”. A propósito de uma simples ânfora, do seu equilíbrio e da sua beleza, Sophia fala de uma “aliança entre mim e o sol”, de “paz e alegria” e do “deslumbramento de estar no mundo”, numa “religação” poética que nos leva a Novalis. Por uma insistente busca de unidade e de coerência, eis que a ânfora se torna “a nova imagem da minha aliança com as coisas”, a partir dum gesto banal e da visita a uma loja de barros. Mas essa aliança está ameaçada a cada passo – porque o que está em causa é um “reino vulnerável” – visto como “companheiro mortal da imortalidade”… A poesia é, no fundo, a “arte do ser” – “por isso o poema não fala de uma vida ideal, mas sim duma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão”.


E o artista tem de ser compreendido como “artesão duma linguagem”, não como manipulador de matéria, pois o artesanato das palavras nasce da própria poesia, à “qual está consubstancialmente unido”. “Eu me perdi na sordidez dum mundo / Onde era preciso ser / Polícia agiota fariseu / Ou cocote. / Eu me perdi na sordidez do mundo / Eu me salvei na limpidez da terra. / Eu me busquei no vento e me encontrei no mar / E nunca / Um navio da costa se afastou / Sem me levar”. A vida é feita de sentimentos contrastados e de paradoxos pouco compreensíveis. O equilíbrio é procurado numa floresta de enganos, entre a sordidez e a salvação. Sente-se uma poética do inconformismo que marca a serenidade e a exigência ética. Em “Velório Rico”, “os herdeiros inquietos” “atormentam o ar com os seus pecados”, em “O Filho Pródigo”, “dispersaste as tuas forças contra os enganos da terra”, mas, em contraponto, a “antiga casa” “permanece presente como um reino / E atravessa os meus sonhos como um rio”. O inconformismo significa não se acomodar, cuidar do outro, olhar para diante. E procurar compreender, vendo, ouvindo: “esta gente cujo rosto / Às vezes luminoso / E outras vezes tosco / Ora me lembra escravos / Ora me lembra reis”. E no culto das palavras, das ideias e das causas, numa coerência perturbante e profética, podemos ler: “Meu canto se renova / E recomeço a busca / Dum país liberto / Duma vida limpa / E dum tempo justo”.


“Os meus passos escutam o chão enquanto a alegria do encontro me desaltera e sacia. O meu reino é meu como um vestido que serve. E sobre a areia sobre a cal e sobre a pedra escrevo: nesta manhã eu recomeço o mundo”. Que é, afinal, a criação senão esse retorno à criação, como “recomeço do mundo”? Sente-se em cada linha a interrogação essencial da arte poética, a partir dos gestos concretos e quotidianos, e daí parte-se para a construção do mundo e da vida. E a relação com os outros torna-se a chave de toda a revelação: “Uma terrível atroz imensa / desonestidade / Cobre a cidade / Há um murmúrio de combinações / Uma telegrafia / Sem gestos sem sinais sem fios / O mal procura o mal e ambos se entendem / Compram e vendem / E com um sabor a coisa morta / A cidade dos outros / Bate à nossa porta”. Modernos e clássicos, visitantes e visitados encontram-se em busca da chave dos mistérios, dos diversos mistérios por desvendar: “Senhor libertai-nos do jogo perigoso da transparência / No fundo do mar da nossa alma não há corais nem búzios / Mas sufocado sonho / E não sabemos bem que coisa são os sonhos / Condutores silenciosos canto surdo / Que um dia subitamente emergem / No grande pátio liso dos desastres”. Depois de lermos fica-nos a sensação de serenidade e de leveza, do rigor e da determinação. E nessa lembrança, ouvimos com nitidez: “Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro / Sabendo que o real o mostrará”.

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