A Vida dos Livros

A VIDA DOS LIVROS

“A Experiência Reflexiva – Estudos sobre o Pensamento Luso-Brasileiro” de António Braz Teixeira (Zéfiro, Colecção Nova Águia, 2009) é uma colectânea de ensaios sobre o pensamento filosófico português e brasileiro, na sequência de outras anteriormente publicadas, que constitui um excelente “vademecum”, não apenas sobre as ideias do autor, mas fundamentalmente sobre a sua visão, animada por um rigoroso sentido pedagógico, relativamente a um conjunto significativo de pensadores, o que nos ajuda a entender melhor um leque alargado e estimulante de temas, que contribuem para tentar esclarecer o sentido e o alcance do que pode representar, numa perspectiva aberta e não dogmática, a busca de novos caminhos trilhados pela “filosofia portuguesa”. E importa referir que António Braz Teixeira tem procurado abrir novos horizontes, insistindo no desenvolvimento de um pensamento luso-brasileiro, diversificado nos temas e nas perspectivas, muito para além de uma lógica de grupo ou de “escola”. Neste sentido, o filósofo tem procurado ir ao encontro de uma nova atitude, capaz de uma valorização efectiva da filosofia, sem adjectivos.

A VIDA DOS LIVROS
de 12 a 18 de Outubro de 2009




“A Experiência Reflexiva – Estudos sobre o Pensamento Luso-Brasileiro”
de António Braz Teixeira (Zéfiro, Colecção Nova Águia, 2009) é uma colectânea de ensaios sobre o pensamento filosófico português e brasileiro, na sequência de outras anteriormente publicadas, que constitui um excelente “vademecum”, não apenas sobre as ideias do autor, mas fundamentalmente sobre a sua visão, animada por um rigoroso sentido pedagógico, relativamente a um conjunto significativo de pensadores, o que nos ajuda a entender melhor um leque alargado e estimulante de temas, que contribuem para tentar esclarecer o sentido e o alcance do que pode representar, numa perspectiva aberta e não dogmática, a busca de novos caminhos trilhados pela “filosofia portuguesa”. E importa referir que António Braz Teixeira tem procurado abrir novos horizontes, insistindo no desenvolvimento de um pensamento luso-brasileiro, diversificado nos temas e nas perspectivas, muito para além de uma lógica de grupo ou de “escola”. Neste sentido, o filósofo tem procurado ir ao encontro de uma nova atitude, capaz de uma valorização efectiva da filosofia, sem adjectivos.

 
Lima de Freitas, Água.


UM LEQUE VARIADO DE TEMAS
Ao percorrermos os diversos ensaios, cuja escolha esteve a cargo de Maria Celeste Natário, do grupo de investigação “Raízes e Horizontes da Filosofia e da Cultura em Portugal”, temos de reconhecer a riqueza e a diversidade temática: “Profecia e Escatologia em António Vieira”; “D. Francisco Manuel de Melo e Vieira – Saudade e Quinto Império”; “Iluminismo Luso-Brasileiro”; “Silvestre Pinheiro Ferreira e a Filosofia Brasileira”, “O Conceito de Razão na Filosofia Luso-Brasileira do Século XX”; “A Ideia de Deus e a Religião em José Régio”; “Os Caminhos Cruzados de Delfim Santos e Sant’Anna Dionísio”; “Agostinho da Silva e o Pensamento Russo; algumas convergências e afinidades”; “Portugal como Enigma”; “O Diálogo Crítico de António José de Brito com Miranda Barbosa e Cabral de Moncada”; “Sentido e Valor Ontológico da Linguagem de Vilém Flusser e José Enes”; “Gnosiologia e Ontologia no Pensamento de Eduardo Abranches de Soveral”; “A Onto-Antropologia do Jovem Fernando Gil”; “A Ética Neo-Utilitarista de Mário Sottomayor Cardia” e “A Ética no Pensamento de António Paim”. Muito interessantes são as análises do pensamento do Padre Vieira, ficando claro que o “Quinto Império” não é uma mera consideração utópica. Há um mais fundo significado humano e transcendente desse pensamento, que procura abrir caminhos novos, com consequências espirituais e seculares, no sentido de uma “nova plenitude espiritual, de gloriosa imortalidade e de perfeita e perene beatitude”. E, se dúvidas houvesse, é muito estimulante o diálogo que o autor analisa e que põe frente a frente dois contemporâneos, nascidos no mesmo ano (1608), com vidas e percursos muito diferenciados, mas com fortes elementos de aproximação – por um lado, o papel de primeira grandeza que ambos desempenharam no mundo da língua e da cultura portuguesa; e, por outro lado, uma inesperada afinidade ou convergência entre o “Quinto Império” de Vieira e a “teoria metafísica da saudade” do autor das “Epanáforas”, segundo a qual a lembrança ou memória saudosa origina “um profundo e essencial sentido unitivo, dinâmico e futurante”. Francisco Manuel de Melo vê, assim, “na saudade o sinal de um original e mais perfeito estado ontológico do homem, de que ela viria a ser transcendente lembrança ou memória primordial, assim como o desejo que é o elemento dinâmico e futurante do sentimento saudoso, visaria a recuperação daquele originário e primeiro estado ontológico mais perfeito ou o ‘regresso ao Paraíso’, a busca da única e verdadeira beatitude que só na imortalidade pode fruir-se”. Deste modo, este curiosíssimo diálogo, que é fundamentalmente um encontro, permite entender a “saudade”, como “uma mimosa paixão da alma, e por isso tão subtil que equivocamente se experimenta, deixando-nos indistinta a dor da satisfação” ou, ainda na expressão clássica do mesmo Francisco Manuel de Melo: “É um mal de que se gosta, e um bem que se padece; quando fenece, troca-se a outro maior contentamento, mas não que formalmente se extinga: porque se sem melhoria se acaba a vontade, é certo que o amor e o desejo acabarão primeiro. Não é assim com a pena: porque quanto é maior a pena, é maior a saudade”. Lendo António Vieira e Francisco Manuel percebemos que há uma tentativa de responder ao mistério sobre a natureza da alma portuguesa. E o certo é que perante estes ensaios passa a fazer mais sentido não apenas a obstinação do pregador jesuíta, mas também a determinação do talentoso fidalgo em abrir caminhos de pensamento e de acção para o Portugal, que acabava de sair de um período de subalternidade e depressão. É verdade que o escritor dos “Apólogos Dialogais” criticou o milenarismo vieirino, demarcando-se dele; no entanto, em substância, havia preocupações comuns sobre as quais os dois intelectuais profundamente pensaram, disseram e escreveram.


ESPECIFICIDADES E COMPLEMENTARIDADES
Os ensaios sobre o iluminismo luso-brasileiro e Silvestre Pinheiro Ferreira são extremamente significativos, uma vez que situam as repercussões do movimento das “luzes” em Portugal no seu exacto contexto, abandonando a simplificação dos que ora falam do “iluminismo” como uma mera tradução do que ocorria no centro e norte da Europa, na zona da Reforma; ora desvalorizam a especificidade de um pensamento luso-brasileiro do século XVIII com os seus fundamentos próprios, mas também com preocupações comuns, que decorrem de uma leitura cosmopolita mas não subalterna. E diz-nos Braz Teixeira: “situado na encruzilhada das duas vias do iluminismo – a que parte de Locke e a que se inspira em Leibniz – o pensamento filosófico de Silvestre Pinheiro Ferreira, em seu singular ecletismo, depara com uma dificuldade de não fácil superação: a de fundar numa exígua e precária base empirista uma harmoniosa e ampla ontocosmologia e uma teodiceia ortodoxamente fiel à tradição cristã”. E aqui encontramos a chave de um enigma difícil, que, no entanto, permite levar-nos à distinção entre diversas tradições filosóficas, que deram lugar a respostas e a propostas diferenciadas. E os acontecimentos históricos confirmam a pertinência deste tema. Veja-se como se passou do “pombalismo” à “viradeira” sem sobressaltos de maior, com uma continuidade apreciável, devida essencialmente à flexibilidade da “nossa” “boa razão”, que os colaboradores próximos de D. Maria I e, depois, do Regente D. João, cultivaram sabiamente. E se nos referimos ao final do “Antigo Regime”, não podemos esquecer ainda as raízes da revolução liberal de 1820, bem como a incorporação no código genético desta do “iluminismo luso-brasileiro” (no sentido mais autêntico da expressão), com a sua natureza muito própria e com indiscutíveis capacidades regeneradoras.


BOAS E POSITIVAS SURPRESAS
A leitura de todos os ensaios reserva muito boas e positivas surpresas, que nos vão conduzindo até aos nossos dias. Permito-me apenas recordar o importante ensaio sobre o professor Joaquim Maria Rodrigues de Brito, relacionando a Filosofia do Direito à Filosofia da Religião. O tema é tanto mais aliciante quanto é certo que continuam por desvendar plenamente as bases filosóficas de Antero de Quental. E, tal como António Braz Teixeira pensa, julgo dever ser de realçar a influência de Rodrigues de Brito no jovem pensador. O ensaísta reconhece, aliás, que “durante mais de um século, ao especulativo dos nossos krausistas foi recusado o lugar que de direito lhe cabe na galeria dos pensadores portugueses de oitocentos que séria e longamente reflectiram sobre o sagrado e o fenómeno religioso e o valor e significado transcendente do cristianismo, e desatendido o que ao seu magistério ficaram a dever pensadores como Antero de Quental, Cunha Seixas e Teófilo Braga”. A leitura desta obra revela-se, assim, de uma extraordinária pertinência, sobretudo para quem deseje libertar-se das tentações simplificadoras sobre o pensamento. Assim percebemos melhor as nossas virtualidades e as limitações… 


Guilherme d’Oliveira Martins

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