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(X) Os Poetas Árabes

Depois de termos viajado até à Galiza, deslocamo-nos para sul, uma vez que a nossa cultura comum se construiu neste fecundo diálogo que permitiu ao galaico-português enriquecer-se com o contributo dos poetas e pensadores de língua árabe. Em 1031, caiu o Califado de Córdoba e o Al-Andaluz fragmentou-se nos Reinos Taifas. Essa fragmentação permitiria um avanço da Reconquista cristã, operada sobretudo no século seguinte. O Garb do Al-Andaluz, ocidente do território da Andaluzia, decompôs-se em quatro taifas: um grande na zona mais a norte cuja capital era Batalyaws(Badajoz), que compreendia a região do Baixo Alentejo com capital em Mârtula(Mértola) e dois reinos no atual Algarve, de Xilb(Silves) e de Xantamarya Ibn Harun (Faro).

A corte de Al-Mu‘tamid (1040-1095) marca um período extraordinário na cultura peninsular pela qualidade e sensibilidade. É uma época de profunda renovação literária e poética, na qual o próprio rei participou ao cultivar o género “muwashshaha”, elemento do génio literário do Al-Andaluz que reflete uma síntese originalíssima. Al-Mu’tamid foi o terceiro e último dos reis Abádidas a governar a taifa de Sevilha. Nascido em Beja, relacionou-se, contra o parecer de seu pai, com Ibn Ammar (1031-1086), nascido em Estômbar ou S. Brás de Alportel, brilhante poeta do Garb na cidade de Silves. Quando Al-Mu’tamid sucedeu a seu pai como rei, nomeou Ibn Ammar vizir. Contudo o conflito entre os dois foi inevitável. Ibn Ammar era insinuante e belo. Além de grande poeta foi conhecido pela invencibilidade no xadrez. A sua vitória num jogo terá convencido Afonso VI de Leão e Castela a abandonar Sevilha. A sua grande ambição levou-o, porém, a concretizar a anexação de Múrcia ao reino de Sevilha, convencendo Al Mu’tamid a nomeá-lo governador. Depois proclamou-se rei e cortou com o seu protetor. Em resultado disso foi morto violentamente pelo próprio Al Mu’tamid.

Em 1085, Afonso VI conquistou Toledo, o que constituiu um golpe profundo nas ambições do rei-poeta. Este, em aliança com os Almorávidas, conseguiu uma importante vitória sobre o rei de Leão em Zalaca (1086). Todavia, quatro anos depois os cristãos recuperaram influência. Com a perda de relevância, Al-Mu’tamid caiu em desgraça sendo feito prisioneiro em Agmate, perto de Marraquexe, onde morreu. A sua campa ainda hoje é lugar de peregrinação de poetas. Enquanto mecenas, protegeu o desenvolvimento das ciências, da filosofia e da música, contribuindo para uma época sem igual na história medieval da Península. É célebre sua “Evocação de Silves”: «Saúda o Palácio das Varandas, / da parte de quem nunca o esqueceu, / morada de leões e de gazelas / salas e sombras onde eu / doce refúgio encontrava / entre ancas opulentas / e tão estreitas cinturas. / Moças níveas e morenas / atravessavam-me a alma / como brancas espadas / como lanças escuras. / Ai quantas noites fiquei, / lá no remanso do rio, / preso nos jogos do amor / com a da pulseira curva, / igual aos meandros da água, / enquanto o tempo passava… / ela me servia vinho: / o vinho do seu olhar, / às vezes o do seu copo, / e outras vezes o da boca. / Tangia-me o alaúde / e eis que eu estremecia / como se estivesse ouvindo / tendões de colos cortados. Mas se retirava as vestes / grácil detalhe mostrando, era ramo de salgueiro / que me abria o seu botão / para ostentar a flor».

Al Mu’tamid foi sem dúvida o mais célebre dos poetas árabes do Garb, mas outros encontramos como Ibn Badrun, natural de Silves, que é referenciado em 1211; Abd Allah Ibn Assid (1052-1127) gramático e poeta, nascido em Badajoz; Ibn Abdun (1050-1135), que morreu em Évora; as poetisas Mariam e Xilbia; além de Abu-l-Hasan Ibn Sali ash Shantamari, de Faro e Al-Cutair de Loulé. Não podemos esquecer ainda Ibn Mucana, nascido em Alcabideche em 1042 e falecido em data incerta, o grande poeta dos moinhos de vento. «Se és homem decidido precisas de um moinho / que trabalhe com as nuvens sem dependeres dos regatos. Quando o ano é bom na terra de Alcabideche / não vai além das vinte cargas de cereais. / Se rende mais, então sucedem-se / ininterruptamente e em grupos compactos / os javalis dos descampados. / (…) Se te disserem: gostas deste trabalho? Responde: sim. / O amor da liberdade é o timbre de um caráter nobre…»

GOM

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