A Vida dos Livros

A VIDA DOS LIVROS

“António Lino Neto, Intervenções Parlamentares – 1918-1926” (Colecção Parlamentar, Assembleia da República, 2009), organizado pelo Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa e coordenado por António Matos Ferreira e João Miguel Almeida constitui um documento de grande interesse para a compreensão de um lado menos conhecido da Primeira República Portuguesa – a saber, a intervenção dos republicanos católicos na vida cívica e parlamentar.

A VIDA DOS LIVROS
de 13 a 19 de Julho de 2009


“António Lino Neto, Intervenções Parlamentares – 1918-1926” (Colecção Parlamentar, Assembleia da República, 2009), organizado pelo Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa e coordenado por António Matos Ferreira e João Miguel Almeida constitui um documento de grande interesse para a compreensão de um lado menos conhecido da Primeira República Portuguesa – a saber, a intervenção dos republicanos católicos na vida cívica e parlamentar.


O CAMPO CATÓLICO
Segundo D. Manuel Clemente: “No campo católico havia adeptos do regime republicano em abstracto, como o próprio Padre Sena de Freitas e antigos monárquicos que aceitavam bem o novo regime como Abúndio da Silva, julgando-o até preferível ao anterior no tocante à Igreja: e também havia monárquicos que o continuavam a ser, negando a possibilidade de resolver o problema religioso sem voltar ao regime anterior”. Estas considerações permitem compreender a relevância desta publicação e do seu conteúdo, que se integra no projecto “Os Católicos portugueses na política do século XX – a reflexão e a intervenção de duas gerações António Lino Neto e Francisco Lino Neto”. Trata-se de um tema muito estimulante até pela importância das personalidades e dos acontecimentos analisados. A biografia de António Lino Neto (1873-1961), centrada na vida política e parlamentar é da autoria de João Miguel Almeida. Estamos no cerne da existência do Centro Católico, em cujas fileiras militou Oliveira Salazar, cujos significado e alcance assumem uma muito maior complexidade e importância do que à primeira vista pode parecer. O percurso de António Lino Neto (ALN), natural de Mação, doutorado em Coimbra, professor de Direito e Economia, vindo de Portalegre até Lisboa, é muito significativo. Facilmente descobrimos na sua personalidade muito rica um caminho onde se nota a preocupação de seguir a orientação segundo a qual a Igreja não deveria confinar-se à questão do regime (monárquico ou republicano), devendo lançar as bases de uma política orientada para o futuro, equacionando a um tempo as questões política, social e económica. Daí que se compreenda a evolução de António Lino Neto num sentido de demarcação subtil em relação à opção feita por Oliveira Salazar na ditadura militar e à solução política encontrada na União Nacional. É, aliás, de salientar a procura de seguir o ensinamento de Leão XIII – de não confundir a causa católica com um determinado regime e com um partido. A leitura das múltiplas intervenções parlamentares proferidas por ALN dá-nos um panorama bastante rico e completo do que era a vida parlamentar nos últimos anos da Primeira República e sobre quais os temas e preocupações do tempo. E uma vez que o deputado tinha responsabilidades cimeiras na minoria católica, podemos aperceber-nos da grande diversidade de solicitações a que, depois de 1922, foi chamado – sentindo-se as preocupações “diplomáticas” e de equilíbrio, de modo a ganhar espaço de manobra num areópago à partida renitente quanto ao discurso, às prioridades e às preocupações do Centro Católico. Na vida do deputado é importante ainda referir as bases políticas e intelectuais de onde procede, desde as proximidades do Partido Progressista (de José Luciano de Castro) até ao convívio intelectual com personalidades muito marcantes, como José Frederico Laranjo e Afonso Lopes Vieira. Desde a formatura em Direito em 1899 desenvolve intensa actividade profissional, como advogado e funcionário público, e também intelectual, em “O Distrito de Portalegre”. Depois virá para Lisboa onde assume funções docentes (em Economia Política e Direito Administrativo) no Instituto Superior de Comércio, acumulando com a advocacia. A partir de 1908, desempenha um papel activo nos meios católicos, junto do Cardeal D. António Mendes Belo, onde se encontra com Francisco Sousa Gomes e Fernando de Sousa (Nemo). É o tempo em que soçobra o Partido Nacionalista, que prossegue a herança do Conde de Samodães, e em que a crise do regime monárquico termina com a implantação da República. Lino Neto mantém-se distante de um envolvimento político directo.

A “questão religiosa” eclode violentamente, com a expulsão das ordens religiosas e o fim do reconhecimento da personalidade jurídica da Igreja Católica. Lino Neto concorre a um lugar de professor de Economia Política da Escola Politécnica contra o seu antigo Professor Afonso Costa (1911). É vencido, mas sai prestigiado, sendo-lhe reconhecido o mérito absoluto. O municipalismo ocupa-o nesse tempo, ciente de que era fundamental repensar a Administração portuguesa, a partir da descentralização: “pelo municipalismo se enobrecem os pobres e oprimidos vilões medievais: elevem-se igualmente por ele os modernos proletários à alta condição de cidadãos conscientes”. Exercerá funções docentes nos Institutos Superiores Técnico e de Comércio. Em 1912, realiza-se em Coimbra o Encontro das Juventudes Católicas Portuguesas, que leva à reactivação do Centro Académico da Democracia Cristã (CADC), a cuja nova direcção pertencem Oliveira Salazar e Gonçalves Cerejeira. Lino Neto torna-se um nome de referência para as novas gerações, reflectindo, designadamente, sobre o exemplo de Nuno Álvares, figura comparável a Joana d’Arc. Os bispos portugueses apelam aos católicos para se mobilizarem politicamente (Santarém, 1913) e renovam esse apelo em Janeiro de 1917 e o Centro Católico Português nasce oficialmente em Braga em Agosto de 1917. Em Novembro, ALN é eleito vereador da Câmara Municipal de Lisboa, sob a Presidência de Carlos da Maia. Na sequência da tomada de poder por Sidónio Pais, o CCP apresenta-se às eleições de Abril de 1918 e elege 4 deputados (Lino Neto, Pinheiro Torres, Francisco Veloso, Dinis da Fonseca) e 1 senador (Pinto Coelho). A intervenção durante a “República Nova” será, no entanto, esparsa e pouco significativa, mas ALN exercerá a presidência da Câmara de deputados na fase final do sidonismo. A morte de Sidónio Pais interrompe a experiência parlamentar do Centro Católico. ALN torna-se presidente do grupo político, pela sua demarcação, ao mesmo tempo, de monárquicos e de sidonistas.

Na eleição de 1921 ocorre a entrada de Oliveira Salazar no parlamento, enquanto António Lino Neto não é eleito por Portalegre. Salazar em correspondência com o presidente do Centro Católico discorre sobre a sua desafeição à vida parlamentar e exprime grande resistência, primeiro a ser candidato, depois a tomar posse do lugar para que fora eleito por Guimarães e, por fim, a continuar. É muito interessante a enumeração de argumentos por parte do professor de Coimbra, ilustrativa de uma desconfiança completa relativamente ao pluralismo político, que o tempo viria a demonstrar sobejamente. Pelo contrário, verifica-se uma demonstração clara da posição de princípio de Lino Neto progressivamente mais chegada aos princípios republicanos e à lógica democrática. Isso se vê não apenas no diálogo com Salazar e nos argumentos que usa para o demover, mas ainda na demarcação relativamente à posição de monárquicos, como Pequito Rebelo, que criticam a estratégia eleitoral dos católicos. Lino Neto assume, assim, uma posição política assente na necessidade de garantir a liberdade religiosa para a Igreja, de reorganizar o país de modo descentralizado e equilibrado num Estado social, de recusar as ditaduras políticas e de assegurar o pluralismo parlamentar. Depois de 1926, o Centro Católico evoluirá de uma colaboração técnica com a ditadura para o compromisso de Salazar (1928). Daí ao seu desaparecimento definitivo, com o nascimento da União Nacional (1930) e da Acção Católica (1933), vai um ápice. Em 1934, ALN demite-se da presidência do Centro e integra-se na Acção Católica, afastando-se da UN. Em 1961, quando morreu, o “Diário de Lisboa” recordou a sua “política de sincero entendimento com a República”. Seu filho Francisco (sócio do CNC) já militava na oposição, fiel aos valores de seu pai, trilhando caminhos de uma nova audácia…


Guilherme d’Oliveira Martins



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