Gaëtan
Verdadeiro flâneur e um espírito livre, Gaëtan, teve uma presença simultaneamente discreta e marcante no meio artístico português. Envolvido em variadas actividades, nunca encarou a sua produção artística com dedicação exclusiva e, muito menos, como uma carreira. Ela era uma das manifestações de uma forma de estar multifacetada, uma das maneiras como ele vivia plenamente a sua vida. Sempre curioso, questionando a existência e o seu propósito, de uma forma elegante, inteligente, generosa e bem-humorada. A sua obra plástica ficou identificada com a auto-representação. Desde o início da década de oitenta do século passado que desenhou, de forma regular e persistente, o seu rosto, olhando-se no espelho. Sendo destro, usava sempre a mão esquerda, para evitar as armadilhas da representação “correcta” da factualidade do modelo que tinha perante si. Os seus desenhos são, simultaneamente, o registo de um encontro, surpreso, inquisitivo, divertido, perturbado, do autor com a sua própria imagem e a construção, mais ou menos deliberada, de personagens com que esse mesmo autor se identifica e que constroem um pequeno teatro do “mundo”, do ser-se humano.
A qualidade ficcional de muitas dessas auto-representações é evidenciada pelos títulos que dava às séries ou aos desenhos individuais, em que as referências literárias, musicais ou cinéfilas, são comuns. A relação com outras artes era, de resto, central na sua vida. A linguagem escrita foi uma das suas áreas de excelência, tendo tido importante actividade como tradutor e como prefaciador de catálogos de exposições de outros artistas. O teatro e o cinema tiveram nele um espectador atento e chegou a fazer algumas pequenas participações como actor. O carácter de representação que é visível nos seus desenhos teve continuidade também na realização de algumas performances integradas no contexto de exposições. É também evidente a componente paródica, derrisória, de muitas destas obras, onde por vezes os próprios objectos ganham uma existência antropomórfica, substituindo-se ao seu criador, e onde se manifesta a sua faceta de provocador. Gostava de se rodear de objectos especiais, obras de outros artistas ou simples curiosidades, que escolhia baseado em critérios muito pessoais e numa visão sofisticada e culta.
As exposições que Gaëtan realizou eram sempre organizadas de forma extremamente rigorosa, tanto a nível da montagem e da ocupação do espaço, como da concepção de todos os materiais que a elas estavam associados. Tentámos mostrar a sua obra em desenho, focando aquilo que nos parece ser o mais importante do seu legado, mas selecionando criteriosamente as peças, sacrificando muitas vezes obras que teríamos gostado de incluir. Pensamos que, desta maneira, conseguimos que o resultado seja um conjunto coerente e forte, como, estamos convencidos, ele teria feito.
Alberto Caetano e Rui Sanches
Data: 2 de junho a 17 de julho de 2021
Local: Sociedade Nacional de Belas Artes
Rua Barata Salgueiro, 36, 1250-044 Lisboa