UM ESTUDIOSO PROMETEDOR
Foi António Barreto quem
me apresentou Pedro Lains, numa sessão no Centro Nacional de Cultura,
referindo ser alguém cuja obra tinha de ser seguida com muita atenção.
Nunca mais deixei de acompanhar o seu percurso de historiador económico,
sempre com renovado interesse, com convergência de preocupações, e
sistematicamente com a estimulante curiosidade de seguir e aprofundar
muitos dos seus estudos e conclusões. Há dias, quando tive a notícia do
seu prematuro desaparecimento, pensei naquele encontro já distante, e
conclui que o Pedro foi sempre um valor seguríssimo, em capacidade
científica e pedagógica. Tive, aliás, a oportunidade de o dizer ao
recensear obras, que constituem marcos da melhor historiografia
contemporânea. Sabia da sua saúde, através de António Costa Pinto, um
amigo comum de muitos anos e partilho plenamente o que disse quando
anunciou o falecimento de quem associava a generosidade pessoal e a
simpatia ao empenhamento científico, como excelente académico que sempre
foi. Licenciado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa,
doutorou-se em História no Instituto Universitário Europeu, sendo
investigador-coordenador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da
Universidade de Lisboa – prestigiando as instituições e as escolas em
que se formou e onde trabalhou. Centrou a sua investigação na história
económica dos séculos XIX e XX, sobretudo preocupado com o tema do
crescimento económico de longo prazo em Portugal e nos países
periféricos europeus, bem como na integração europeia e nos desafios
atuais da economia portuguesa. Foi autor da História da Caixa Geral de Depósitos 1876-2010; de Os Progressos do Atraso – Uma Nova História Económica de Portugal; e de A Economia Portuguesa do século XIX; sendo coautor de História Económica de Portugal (com Álvaro Ferreira da Silva); e de Os Petróleos em Portugal – Do Estado à Privatização 1937-2012. Todas obras de grande importância, indispensáveis para a compreensão dos temas que tratam.
RAÍZES DO ATRASO PORTUGUÊS
Pedro Lains soube,
com extraordinária mestria, aliar a análise económica quantitativa e a
perspetiva comparada. Recorde-se, por exemplo, que no início da I
República, Portugal partilhava com os países balcânicos a última
carruagem da economia europeia, apesar de tudo com um crescimento per
capita de 0,8 % ao ano. A indústria vinha crescendo, de modo mais
regular e contínuo, a um ritmo duas vezes superior à agricultura, com
baixa produtividade (2,3 % entre 1854 e 1911, que comparam com 0,94 %,
desde a Regeneração até 1903). Isto significa que o chamado fontismo não
registou um salto industrializador nos anos 70 e que os anos 90
conheceram um medíocre marcar passo. No tocante à produção agrícola
alguns sinais positivos no final do século deram lugar a uma contração
do início do século XX. Ao contrário de alguma voz corrente, Pedro Lains
demonstrou que a crise das exportações não serve para explicar a má
evolução da economia nacional, até porque foi o mercado interno que
sustentou, ainda que timidamente, a indústria. As importações, numa
economia dependente do exterior na indústria, foram apoiadas não pelas
exportações agrícolas, mas pelas remessas dos imigrantes e pelas
reexportações coloniais. Assim, o protecionismo não foi ajudado pelas
exportações agrícolas, por manifesta incapacidade para promover mudanças
estruturais na economia nacional, ao contrário do que se verificou no
norte da Europa. Se a agricultura não evoluiu positivamente, num
horizonte fechado e resistente à mudança, a indústria também ficou aquém
do que seria exigível. E a explicação deste medíocre desenvolvimento
não nos remete sem mais para a tese da dependência relativamente à
“pérfida Albion”, centro do capitalismo, já que o setor externo
registava um peso reduzido. Os limites do crescimento nacional
estiveram, assim, sobretudo ligados ao mercado interno. As alternativas
económicas eram parcas, sobretudo influenciadas pela ausência de uma
iniciativa empresarial moderna. As explicações decadentistas carecem,
assim, de fundamentação plena – obrigando, segundo a perspetiva de Pedro
Lains, a uma análise mais profunda. Mais do que a dependência externa,
houve a ausência de uma política reformista interna associada a um setor
investidor audacioso e forte. Se olharmos a historiografia económica
portuguesa, compreendemos como Pedro Lains seguiu os passos antes
trilhados por Jaime Reis, aprofundando-os numa investigação persistente e
muito clara a partir dos meios estatísticos disponíveis. No fundo,
Portugal ter-se-á comportado de acordo com o que o seu potencial
económico permitiria. Independentemente do que separa este entendimento
de quantos consideraram que o nosso atraso económico se deveu a opções
políticas erradas, importa perceber que a leitura da investigação de
Pedro Lains revela-se muito útil para a compreensão dos fenómenos
económicos como complexos, influenciados por diversos fatores
contraditórios. E quando lemos os textos fundamentais da Geração de 1870
ou sobre a fixação e o transporte de António Sérgio, percebemos que há
consciência de que as fragilidades ou as condicionantes internas que
Pedro Lains investiga não lhes passaram despercebidas.
O ATRASO SERIA EVITÁVEL?
Poderia Portugal ter
diminuído o fosso que o separava dos países desenvolvidos? Eis o ponto
que merece ser revisitado criticamente. E Pedro Lains, como Jaime Reis,
tem a virtude de apontar num sentido que procura articular a compreensão
do potencial económico e a exigência do que designaríamos como
pensamento estratégico e que nos leva à literatura económica portuguesa
do século XVII ou à “Vida Nova” (1885). Portugal arrancou para a
industrialização já com atraso, não contando nem com uma procura interna
forte nem com um mercado interno consolidado, além da ausência de
estabilidade política, de finanças públicas sãs, de crédito bancário
sólido e de mão-de-obra qualificada e flexível… Eis o que não pode ser
esquecido. Numa palavra, os números estudados por Pedro Lains não podem
deixar de ser integrados numa reflexão global, designadamente no tocante
à explicação do facto de países, à partida com condições idênticas,
terem diminuído o fosso que os separava dos mais desenvolvidos. E é o
próprio historiador que nos alerta para o facto de não pretender
apresentar uma conclusão definitiva relativamente às causas do atraso
português. Há, pois, razões compósitas que devem ser consideradas. Basta
ver como a convergência da economia portuguesa com as economias do
centro da Europa se degradou no século XIX até ao começo do século XX e
como a evolução do endividamento público incumpriu a regra de ouro das
Finanças Públicas. Numa palavra, não é possível continuar a estudar
seriamente o desenvolvimento económico português sem entender esta
investigação, até para evitar a mera repetição de perspetivas
unilaterais. Pedro Lains ainda tinha muito para continuar a dar-nos. Era
estimulante o seu entusiasmo. Urge continuá-lo!
Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença