Começo, lembrando o que Garrett diz quase no início das suas “Viagens na Minha Terra”, partindo numa viagem até Santarém, ao encontro do seu amigo Passos Manuel. Emblematicamente a invocação lembra que essa Viagem constitui um belo exemplo para explicar Portugal… «Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de Estio, viajo até à minha janela para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me enganar com uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosa infância nos entulhos do Cais do Sodré. E nunca escrevi estas minhas viagens nem as suas impressões: pois tinham muito que ver! Foi sempre ambiciosa a minha pena: pobre e soberba, quer assunto mais largo. Pois hei de dar-lho. Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há de fazer crónica».
Nas boas razões para Portugal, falemos de símbolos pátrios: “Heróis do Mar, Nobre Povo, Nação valente, Imortal”, do hino de Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça, escrito em 1890, nos ecos do Ultimato inglês, e o escudo português, constituído por quinas e castelos, com raiz nos nossos primeiros reis. Pode afirmar-se que a referência ao Mar é essencial. Como disse “A Menina do Mar”, a nossa terra é o mar. Se bem virmos, a razão da independência e a naturalidade dela devem-se à costa marítima – bela, agreste, difícil, mas desafiadora. E quando os pescadores, as viúvas e os órfãos da Póvoa pediam um abrigo, defendiam o seu ganha-pão, mas também a riqueza unificadora do Mar. A vontade e o mar explicam a perenidade da nossa pátria antiga. E os heróis são os que desafiam a incerteza e cultivam a aventura. O astrolábio e a vela triangular das caravelas permitiram o domínio do Atlântico. E o Infante D. Henrique foi até ao Algarve para encontrar um melhor e mais seguro ponto de partida para o Mar Oceano. Quantas vezes se pergunta: porque nasceu Portugal? Porque persiste? Porque se projeta globalmente em vontade, em língua e como nação valente? A resposta está no carácter marítimo em complemento da continentalidade hispânica…
É na “Crónica de Portugal” de 1419, presumivelmente de Fernão Lopes, que surge narrado pela primeira vez o milagre fundador do aparecimento de Cristo em Ourique. Referindo uma batalha que terá tido lugar no dia de S. Tiago (25 julho) de 1139 contra vários reis “mouros”, o texto dá particular atenção às vésperas do combate. É nessa altura que surge um ermitão face ao futuro rei Afonso Henriques, dizendo: “Ele manda por mim dizer que quando ouvires tanger esta campainha que em esta ermida está que tu saias fora e Ele te aparecerá no Céu…!”. Depois regista-se o milagre, como o do Imperador Constantino na Batalha de Ponte Mílvia em 312: “e ele saiu-se fora da sua tenda, e, assi como ele disse e deu testemunho em sua história, viu Nosso Senhor Jesus Cristo em a Cruz pela guisa que o ermitão lhe dissera e adorou-O com grande prazer e lágrimas…”. E o milagre é transposto no próprio símbolo da bandeira do futuro reino, “…por se lembrar da mercê que Deus naquele dia fizera, pôs sobre as armas brancas que ele trazia uma cruz toda azul, e pelos cinco reis que lhe Deus fizera vencer departiu a cruz em cinco escudos…”. Esta referência simbólica vai tornar-se forte no período da monarquia dual do período filipino, entre os textos de Duarte Nunes do Leão e a “Monarquia Lusitana”, matriz de um novo mito nacional. Leia-se a história alcobacense da Monarquia Lusitana, da autoria de Frei António Brandão. Este texto inicia-se com a descrição de D. Afonso Henriques, quase místico, lendo a Bíblia, nela encontrando sinais de vitória na batalha que se aproxima. Segue-se um sonho, no qual o futuro rei vê “um velho venerável”, bem como a anunciada aparição do “Salvador do mundo”. Acordará, depois, e, entre a realidade e o sonho, depara com o velho que lhe prenuncia o milagre. São as quinas referências desta invocação do primeiro rei em Ourique e os castelos em fundo púrpura as armas de D. Afonso III, o Bolonhês…
GOM