Vamos ter uma Constituição Europeia? Sim, mas evite-se dar, de um modo precipitado, ao constitucionalismo europeu uma configuração que não tem. A Constituição já existe, em sentido material. O que se pretende é dar a essa lei fundamental um sentido mais claro para os cidadãos. Não se trata de um mero estatuto apenas ligado às instituições, mas da definição das garantias da ?democracia supranacional europeia? ? consagrando princípios, instituições e políticas, bem como a Carta Europeia dos Direitos, com força obrigatória, no âmbito das competências da União, com respeito pelos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. Devemos compreender que na União Europeia as soberanias nacionais estão ao lado de uma soberania europeia partilhada, limitada e baseada numa ?rede constitucional? de tipo novo, que não pode ser um super-Estado. A soberania ?originária? é dos Estados. O poder constituinte no seio da União é, deste modo, derivado. A Convenção Europeia não teve, e não poderia ter, competências de natureza constituinte. A regra da aprovação constitucional é da unanimidade ? em virtude de o poder constituinte ser dos Estados soberanos. Quanto à prevalência de normas constitucionais europeias sobre normas constitucionais nacionais, não se esqueçam os termos em que se consagra o primado do direito comunitário ? definido pela jurisprudência europeia segundo as normas já vigentes. O Tratado Constitucional ou Constituição, tem um carácter inédito e sui generis. Se existe já hoje uma Constituição material, a verdade é que a Constituição formal representa um valor acrescentado. É indispensável que quem detenha os poderes de revisão constitucional nos Estados o compreenda. A soberania compartilhada europeia já existe, ainda que limitada e tenderá a consolidar-se. Eis porque o debate constitucional europeu não pode ficar-se pela superfície das coisas. Tudo aponta para que venha a haver referendos em diversos Estados da União sobre a nova Constituição da União Europeia. É natural e até positivo que assim aconteça. Mas é fundamental que o debate seja claro, usando argumentos sérios. Não devem prevalecer os falsos argumentos ditados pelos egoísmos nacionais ou a ilusão de que o veto defende melhor os nossos próprios interesses. O veto só beneficia os grandes e abre caminho ao directório. Um país como Portugal só tem a ganhar com uma Europa política eficaz e actuante. E tem tudo a perder com a prevalência das lógicas exclusivamente nacionais e proteccionistas. A União Europeia de 25 ou 30 membros terá, assim, de ser porventura menos ambiciosa no desenvolvimento das políticas e dos objectivos partilhados por todos. A definição do núcleo fundamental dos interesses comuns revela-se da maior urgência. Precisamos de mais Europa política, numa lógica de segurança, de paz, de desenvolvimento sustentável e de diversidade cultural.
Guilherme d`Oliveira Martins