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“PADRE VIEIRA NAS RUÍNAS DO CARMO”

Estreou no dia 22 a peça “Vieira – O Céu na Terra” da autoria de Miguel Real e Filomena Oliveira, com encenação de Filomena Oliveira, produzida pelo Teatro Nacional D. Maria II.

“PADRE VIEIRA NAS RUÍNAS DO CARMO”


Estreou no dia 22 a peça “Vieira – O Céu na Terra” da autoria de Miguel Real e Filomena Oliveira, com encenação de Filomena Oliveira, produzida pelo Teatro Nacional D. Maria II.


É uma agradabilíssima surpresa. Servido por um texto de grande qualidade, de um português irrepreensível (o que é de realçar, num tempo em que nem sempre isso acontece), o trabalho permite compreender melhor a figura do Padre António Vieira, o mito do 5º Império e a complexa história portuguesa do século XVII. Deve dizer-se, por isso, que o Teatro Nacional assume com esta peça o seu papel indispensável de difusor e de cultor da língua e da cultura portuguesas. Aliás, trata-se de um projecto com inestimável valor pedagógico, que poderá e deverá ser aproveitado pelas nossas escolas.


Miguel Real e Filomena Oliveira atingem com “O Céu na Terra” a maturidade em trabalhos dramáticos. E o Centro Nacional de Cultura sente um especial orgulho em ter contribuído indirectamente para esta produção, uma vez que Miguel Real foi bolseiro da instituição, tendo em 2005 realizado no ciclo “Os Portugueses ao Encontro da Sua História”, no Brasil, a peregrinação (Bahia, Pernambuco, Maranhão e Pará) que está subjacente ao percurso do Padre António Vieira agora apresentado (que já deu origem a duas obras de Inês Pedrosa). Se a matéria-prima fundamental apresentada corresponde aos textos de Vieira, a verdade é que as ligações e os diálogos são feitos com grande equilíbrio e um conhecimento muito bom não apenas da história, mas também das expressões seiscentistas.


No elenco destaca-se a representação de José Henrique Neto (Padre Vieira), que, na estreia, foi ganhando segurança à medida que a peça evoluia, correspondendo positivamente à dificuldade do papel e apresentando um tipo dramático muito credível. Félix Fontoura, no papel fantasioso (mas bem achado) de Nestor, o antigo escravo negro protegido por Vieira, desempenha muito bem a tarefa que lhe está confiada de narrador, de comentador e de quase côro, com muito sentido de humor e um grande à-vontade. Marques d’Arede (D. João IV) e Carmen Santos (D. Luísa de Gusmão) apresentaram-se também muito seguros, assumindo muito adequadamente papeis fundamentais. Merecem ainda referência João Lagarto, com uma experiência reconhecida, no papel de Inquisidor, conseguindo dar um sentido odioso à personagem que encarna (por contraponto a Vieira e a Nestor), António Banha e Bruno Schiappa.


Em mais de hora e meia de espectáculo, no cenário deslumbrante do Carmo, não há pontos mortos nem hesitações. Andrzej Kowalski concebeu bem o espaço cénico, servido pela luminotécnica de Orlando Worm. As entradas, as deixas, os àpartes e as marcações são correctos – estando Filomena Oliveira claramente de parabéns, num trabalho difícil, já que há muitas personagens e registos muito diferenciados. O guarda-roupa (Esmeralda Bisnoca) é de qualidade, usando materiais acessíveis, mas claramente identificadores das personagens e dos contextos. Uma última palavra para a música do jovem David Martins, a merecer especial atenção pela sobriedade, sem esquecer o toque tropicalista… Em suma, modernidade e classicismo encontram-se nesta produção, sem grandes alaridos ou pretensiosismos, o que corresponde ao que se deve fazer nestes casos…

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