Jorge Dias interrogou-se sobre os elementos constitutivos do carácter português. Vale a pena olhar a resposta a tal questão. Trata-se de reunir as características comuns que sejam um sinal prospectivo, que nos permita responder melhor às solicitações de que somos alvo. Aí encontramos: a expansividade, a adaptabilidade e o factor activista, o vivo sentimento da natureza, poético, contemplativo e estático, o gosto pela ostentação, a afectividade (“o coração medida de todas as coisas”), a saudade e a obstinação, a tendência para sobrepor a simpatia humana às prescrições da lei, o pessimismo atávico, uma exuberância menor do que noutros povos do sul? Como português típico, António Alçada Baptista disse ser “a palavra saudade indispensável à minha profissão de viver em português”. E que é a saudade se não essa melancolia da distância e da ausência, de lugares e de tempos, de ontem e de amanhã?… Como diria D. Francisco Manuel de Melo, o destino de povo marítimo, a errância e a separação do mar e do tempo favorecem essa nostalgia sem verdadeiro objecto. “É um mal de que se gosta e um bem que se padece: quando fenece, troca-se a outro maior contentamento, mas não que formalmente se extinga” – diz Francisco Manuel, sobre as saudades, “pelos modos que, sem as conhecer, as padecemos, agora humana, agora divinamente”. E Eduardo Lourenço lembra “esse gosto de mel e de lágrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere”. Garrett diria – “gosto amargo de infelizes/ delicioso pungir de acerbo espinho”. E assim, com todas as forças do nosso imaginário, as mesmas que levam ao culto das almas do Purgatório, “recusamos o nada”. Mas onde está o tudo possível? O Padre Manuel Antunes prefere falar de “uma revolução moral que tenha a coragem de afirmar na prática, dentro da sensatez e dentro do equilíbrio, a norma teórica da coactividade do Direito. Uma revolução moral que estabeleça o primado da produtividade sobre a propriedade-estatal ou outra, da cultura sobre a economia, do ser sobre o ter, da comunidade sobre a sociedade”. Isto, “para que a “antiga” sociedade não volte e a “nova” não continue a ser esse misto de ódios e de antagonismos, de oportunismos e de facciosismos, de utopismos e de caotismos…” (Repensar Portugal). Uma nova sociedade que desburocratize, que desdogmatize no sentido das ideologias superadas, que ataque as clientelas ou que descentralize. Sérgio falava do estadismo, do burocratismo e do bacharelismo… Identidade complexa, busca aturada do Outro, encruzilhada contraditória de mitos e realidades. Eis que estamos, como sempre estivemos, lançados à nossa sorte e à nossa vontade, duvidosos, sempre dispostos a descrer de tudo, a começar em nós mesmos, mas aptos a fazer do “meu remorso de todos nós” (O`Neill) um resultado positivo da luta e da crítica. A interrogação essencial tem a ver com essa atitude. Cultive-se a ironia e a severa invectiva – nada para o nada!
Guilherme d`Oliveira Martins