O Centro Nacional de Cultura (CNC) e o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) levam a efeito, desde 2006, uma iniciativa comum de divulgação das peças mais significativas do primeiro Museu português. Deste modo, queremos promover o melhor conhecimento do nosso património cultural, incentivando a visita aos nossos Museus, e em especial ao Museu Nacional de Arte Antiga.
Além da divulgação no portal www.e-cultura.pt e no sítio www.cnc.pt, promoveremos ao longo do ano outras iniciativas que serão divulgadas nos nossos programas trimestrais. A memória cultural constitui um factor fundamental para a melhor compreensão da nossa identidade, vista como realidade aberta, na encruzilhada entre a herança e a criação, entre a tradição e a inovação.
Agradecemos à Direcção do MNAA e à sua equipa a oportunidade que nos dá de melhor conhecermos um acervo tão rico e fundamental para a compreensão do que somos como povo e como cultura.
Uma Peça do Museu Nacional de Arte Antiga
Semana de 5 a 12 de Maio de 2009
Inferno
Autor desconhecido
c. 1510-20
Óleo sobre madeira de carvalho
Proveniência conventual desconhecida
Inv. 432 Pint
É a mais antiga representação autónoma do Inferno na pintura portuguesa. Obra misteriosa e inquietante, a sua iconografia incorpora, pelo menos, dois aspectos inovadores no contexto da arte portuguesa do início do século XVI. Por um lado, a evidência na representação da nudez feminina, bem exemplificada nos três corpos dependurados que devem simbolizar a Vaidade e a Soberba, ou no impositivo casal enlaçado que no primeiro plano, à direita, personifica a Luxúria. Por outro lado, o modo como se figura o entronizado regente desta infernal morada, um Lúcifer de rosto oculto por máscara, ceptro em forma de trompa e envergando toucado e fato de coloridas plumas, vestimenta que tem suscitado a hipótese de se tratar de um atributo de identidade ameríndia ou mesmo brasileira (o que possivelmente significaria encarar o recém-descoberto indígena sulamericano não como um “bom selvagem” mas como uma personificação do Mal).
A pintura recorre a um reportório medieval de referências teológicas cristãs, propondo uma imagem do Inferno como inventário de torturas incessantes, lugar de suplício e condenação eterna dos que incorrem nos Pecados Capitais, sem distinção do seu estado ou condição social. Para além dos já indicados, identificam-se ainda, do lado esquerdo da composição, as penas infligidas pela Avareza (o avarento é obrigado a engolir moedas, cruzados portugueses do reinado de D. Manuel) e as que respeitam à Gula, réprobo a quem um diabo, com aspecto de bode, obriga a ingerir vinho vertido de um odre em forma de porco. O exacto sentido moralizante de outros suplícios, na sua provável relação com os sete pecados capitais, é, porém, mais dubitativa. Assim sucede com um motivo central da representação, um grande caldeirão onde penam cinco pecadores, dois deles tonsurados, prefigurando possivelmente a Inveja. Neste caldeirão, que replica a forma circular da “boca” do inferno por onde caem os condenados, destaca-se um frade franciscano que parece aceitar melancolicamente o suplício, o único que nesta concentrada e tumultuosa composição surge indiferente ao diabólico vórtice, de trevas e chamas, que o rodeia.
A pintura só está documentada a partir de meados do século XIX, no acervo da Academia de Belas Artes de Lisboa proveniente da extinção dos conventos de frades, em 1834.