UM NOVO CENTRO CULTURAL
Em 1965, quando a revista Brotéria passou a assumir-se como uma revista de cultura, inspirada na “grande abertura conciliar”, o Padre Manuel Antunes, S.J. afirmou: “Procurando sentir e fazer sentir que somos de uma pátria e que ao seu sentido estamos ligados, a Brotéria não ignorará que o facto cultural, constituindo um sistema de valores suscetíveis de difundir-se, transcende as condições de espaço e duração. Procurando alimentar a grande esperança que os novos tempos e o Concílio dos novos tempos sopraram sobre o mundo, a Brotéria não poderá esquecer que o homem não saiu da sua condição e que o mal vive connosco”. O tempo passou e esse apelo forte dos “sinais dos tempos” continua bem vivo, não podendo ser repetido como se fosse uma rotina. Por isso a revista publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902 continua por novos caminhos. E assim nasce o Centro Cultural, dirigido pelo P. Francisco Mota, que afirma: “Acreditamos que o cristianismo pode e deve contribuir para a construção do bem comum, apelando para a justiça e para o respeito pela vida das pessoas, das culturas, das sociedades e do próprio planeta. (…) Estamos abertos a todos os que queiram encontrar-se com a Igreja e com esta linguagem que alia arte e espiritualidade, a sociedade e as pessoas que a compõem. Como o diretor da revista Brotéria, P. António Júlio Trigueiros, bem recorda, importa ter presente o que o Papa Francisco disse há pouco à Cúria: “nas grandes cidades, precisamos de outros ‘mapas’, outros paradigmas, que nos ajudem a situar novamente os nossos modos de pensar e as nossas atitudes. Já não estamos na cristandade! Hoje, já não somos os únicos que produzem cultura, nem os primeiros, nem os mais ouvidos”. Eis por que razão a construção do bem comum tem de se fazer de um fecundo encontro de diferenças e convergências – como no-lo ensinava S. João XXIII em “Mater et Magistra”. E nessa experiência da Brotéria devemos lembrar ainda o que disse o P. Luís Archer, em 1999: “Se considerarmos como cultura o sistema simbólico que cada povo constrói para dar sentido à sua história, à sua vida, à sua comunidade e ao seu universo, concluiremos que é pela cultura que o ser humano se realiza plenamente como pessoa”. Neste sentido, o novo projeto da Brotéria corresponde à preocupação de tornar viva a Palavra de Jesus Cristo, num contexto de liberdade, de abertura, de diálogo, de encontro, de respeito mútuo e de paz. Infelizmente, há dificuldade em debater ideias, a partir da liberdade de consciência. Prevalecem os preconceitos, o desconhecimento e a indiferença. Em lugar de uma troca de experiências prevalecem os diálogos de surdos, em que cada qual se limita a repetir o que julga ser a verdade que possui. Acontece, porém, que somos limitados e imperfeitos e que, de facto, “o mal vive connosco”. Precisamos, por isso, de conhecer os outros e de assumir a modéstia necessária para ter resposta e ser responsáveis. Temos de saber colocar-nos no lugar do outro, e o confronto de ideias apenas pode ser fecundo se o conhecimento for o caminho que Paul Claudel nos propôs, ao dizer que “connaître” deve ser nascer com o outro.
A CULTURA COMO PROGRAMA
Se virmos o longo caminho da revista Brotéria, compreendemos que houve uma preocupação de rigor e de conhecimento. A revista foi fundada por três professores do colégio de S. Fiel, em Louriçal do Campo (Castelo Branco), especializada nas ciências naturais (1902), tendo sido subdividida em três séries independentes (1907) – Botânica, Zoologia e Vulgarização Científica. De 1907 a 1924, os jesuítas portugueses publicaram cerca de 350 recensões e 450 artigos de divulgação na agricultura, geografia, física e química, medicina e higiene. Em 1925 nasceu a revista cultural (com o subtítulo “Fé, Ciências, Letras”), afirmando o P. Joaquim Silva Tavares, fundador em 1902 e seu reformador, que urgia investigar a verdade no campo religioso e aumentar os conhecimentos científicos e literários dos leitores. E qual a razão da escolha do nome da revista – “Brotéria”? A homenagem à figura extraordinária de Félix da Silva Avelar (1744-1828), que adotou em Paris o nome de “Brotero”, significa em grego “amante dos mortais”. Brotero foi capelão da Sé Patriarcal de Lisboa, frequentou o curso de Direito Canónico em Coimbra, foi amigo do Padre Francisco Manuel do Nascimento, o célebre Filinto Elísio, tendo-o acompanhado no exílio em França. Formou-se em Medicina em Reims e dedicou-se ao estudo da Botânica, seguindo Lineu e criando a terminologia portuguesa na obra-prima “Flora Lusitanica”. Foi Professor de Agricultura e Botânica na Universidade de Coimbra e diretor do Jardim Botânico, sucedendo a Domingos Vandelli, sendo o verdadeiro modernizador das suas áreas de especialidade. A influência científica, o seu prestígio académico e o resultado efetivo do seu trabalho levaram a que fosse eleito para a Assembleia Constituinte de 1821, na sequência da Revolução liberal. Foi em razão do seu prestígio, da sua atitude ética, do apego à liberdade de consciência e ao rigor no conhecimento que os fundadores da revista científica da Companhia de Jesus adotaram o seu nome, que persiste até aos dias de hoje.
TEMAS MUITO OPORTUNOS
O número que abre esta nova fase na vida da revista e do seu projeto cultural apresenta um conjunto bastante importante de temas de grande atualidade, merecendo referência o texto de Viriato Soromenho-Marques intitulado “As Universidades perante o desafio existencial da crise ambiental e climática. Com o agravamento do ritmo e da intensidade do processo de alterações climáticas. Perante a componente mais visível da crise global do ambiente, torna-se necessário mobilizar a comunidade académica e científica, no sentido de encontrar soluções práticas que impeçam ou reduzam as situações que se apresentam. “Se as universidades quiserem seguir em frente, como se tudo estivesse bem, então poderemos estar certos de que no horizonte se erguerá o espetro do colapso e não o anjo da salvação”. De facto, estamos perante uma questão de sobrevivência. Num outro tema, é de assinalar o ensaio de Manuel Braga da Cruz sobre “o impasse da reforma do sistema eleitoral” entre nós. Na linha do que já está estabelecido na Constituição, mas sem execução prática, é proposta uma reforma eleitoral que combine a máxima proporcionalidade do círculo nacional com a pessoalização da uninominalidade, a redução da influência das máquinas dos partidos, com a governabilidade da força maioritária. Deste modo, será necessário um sistema misto, de duplo voto com duplo escrutínio, que pode ser coadjuvado com aperfeiçoamentos no recenseamento e no voto. Cristina Azevedo trata ainda do tema da descentralização e Joaquim Sapinho apresenta-nos uma crítica oportuna do filme “O Irlandês” de Martin Scorsese.
Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença